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Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus

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135<br />

- J.M.F., 17, tá vendo? Você é quase nada, Juliano.<br />

- Melhor se não tivess<strong>em</strong> escrito nada. Isso po<strong>de</strong> queimá<br />

o filme com todo mundo.<br />

- Se preocupa não, VP. Um dia tu ainda vai sê famoso.<br />

Tua mãe vai ligá a TV na sala e vai dizê pro pessoal:<br />

venham vê, o meu filho virô artista!<br />

- Artista eu vô sê mesmo. Tá com inveja, Mentiroso?<br />

Mentiroso continuou com a brinca<strong>de</strong>ira.<br />

- Aí, dona Betinha vai percebê um <strong>de</strong>talhe na imag<strong>em</strong>,<br />

uma pulserona prateada nos punho do filhão sendo<br />

levado pelos homi <strong>de</strong> preto.<br />

- Qual que é, Mentiroso?<br />

- Do jeito que eu te vi, na guerra... Um dia você chega lá,<br />

chefão! (BARCELLOS, 2004, p. 127)<br />

O episódio da guerra <strong>de</strong> 1987 <strong>de</strong>staca o papel da imprensa na<br />

cobertura do conflito que, como diss<strong>em</strong>os, chocou por mostrar crianças<br />

armadas. Vale notar, aqui, o estudo realizado por Paulo Vaz (2006) sobre<br />

a representação do crime e as modificações na imag<strong>em</strong> do criminoso na<br />

mídia ao longo do t<strong>em</strong>po. Na década <strong>de</strong> 1980, os crimes <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong>,<br />

como os passionais, dominavam o noticiário e o fato era narrado<br />

principalmente do ponto <strong>de</strong> vista do criminoso, relatando suas<br />

motivações, e muito pouco era informado sobre a vítima e seus parentes.<br />

O efeito provocado por este tipo <strong>de</strong> relato é <strong>de</strong> distanciamento entre o<br />

leitor e a realida<strong>de</strong> narrada. Se acontece no espaço privado, este leitor,<br />

no conforto seguro <strong>de</strong> sua casa, não se sente vulnerável à violência<br />

estampada nas manchetes dos jornais. Paulo Vaz observa uma mudança<br />

na forma <strong>de</strong> narrar o crime no transcurso entre as décadas <strong>de</strong> 1980 e<br />

2000. Uma mudança que não ocorre à toa. Os fatos que passam a<br />

dominar o noticiário estão associados à criminalida<strong>de</strong> no espaço público e<br />

não mais à privacida<strong>de</strong> dos crimes passionais. Agora o ponto <strong>de</strong> vista<br />

passa a ser o da vítima e <strong>de</strong> pessoas próximas a ela 65 . Este tipo <strong>de</strong><br />

65 Este tipo <strong>de</strong> mudança é registrado tardiamente pela mídia. Os crimes <strong>de</strong> sangue, isto é, aqueles<br />

que acontec<strong>em</strong> entre pessoas que se relacionam no espaço privado, predominam no Brasil no<br />

início do século XX. A partir da década <strong>de</strong> 1980, o aumento da criminalida<strong>de</strong> nas principais<br />

cida<strong>de</strong>s brasileiras está associado ao crime cometido por <strong>de</strong>sconhecidos no espaço público, como<br />

assaltos, homicídios e sequestros (ZALUAR, 2004).

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