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Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus

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com um grito estrangulado na garganta que não se<br />

permitia explodir. Viam os negros trabalhando nos<br />

engenhos <strong>de</strong> açúcar, nas fazendas <strong>de</strong> café. O chicote<br />

repenicava no lombo. O bosque <strong>de</strong> Eucaliptos<br />

avolumou-se, tinha agora um ar imperial. Lá na altura<br />

da praça Principal surgiu uma fonte on<strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />

negras lavavam roupa. No casarão da Fazenda do<br />

Engenho D'Água, observaram o entra-e-sai na<br />

cozinha <strong>de</strong> sinhá Dolores nos preparativos da festa<br />

<strong>de</strong> aniversário da esposa do Barão da Taquara.<br />

(LINS, 1997, p. 177)<br />

Perplexos, os meninos não são notados por ninguém e ainda<br />

<strong>de</strong>scobr<strong>em</strong> que pod<strong>em</strong> atravessar pare<strong>de</strong>s, ver através das coisas e voar<br />

– uma volta ao t<strong>em</strong>po que mistura no fantástico o passado ancestral e o<br />

imaginário presente: Busca-Pé se <strong>de</strong>scobre um “National Kid, Super-<br />

Hom<strong>em</strong>, Super-Pateta”. Ao retornar<strong>em</strong> do vôo sobrenatural, o horror:<br />

S<strong>em</strong> querer, chegaram à sala <strong>de</strong> torturas, on<strong>de</strong> se<br />

preparava a amputação da perna <strong>de</strong> um negro fujão.<br />

Os olhos arregalados com a operação iniciada,<br />

ambos, Barbantinho e Busca-Pé, <strong>de</strong>tonaram enfim o<br />

grito havia muito contido na goela, chamando a<br />

atenção <strong>de</strong> um dos feitores com po<strong>de</strong>res vi<strong>de</strong>ntes e<br />

capaz <strong>de</strong> tocá-los. O hom<strong>em</strong> largou mão do escravo e<br />

se precipitou <strong>de</strong> chicote <strong>em</strong> punho contra os dois.<br />

Correram pelos labirintos do casarão, passaram por<br />

diversas salas numa corrida normal, esquecendo-se<br />

<strong>de</strong> que po<strong>de</strong>riam atravessar pare<strong>de</strong>s e voar. Iam<br />

per<strong>de</strong>ndo terreno quando ganharam a saída principal<br />

da fazenda e saíram na Estrada do Gabinal já<br />

crescidos, secundaristas iniciantes, ali fumando<br />

maconha enquanto cadáveres boiavam no rio. (LINS,<br />

1997, p. 178)<br />

O episódio assim retoma e amplia a paisag<strong>em</strong> inicial, que<br />

per<strong>de</strong> o ar pastoril da primeira <strong>de</strong>scrição para revelar os contrastes<br />

profundos da época colonial, cuja ressonância no presente é a<br />

marginalização dos negros e a segregação social. Retoma também a<br />

cena que abre o livro com Busca-Pé e Barbantinho fumando um baseado<br />

na beira do riacho, pensando na vida e imaginando um futuro diferente<br />

quando são surpreendidos por corpos mortos boiando no rio e trazidos <strong>de</strong>

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