Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus
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Embora Bentham oponha a entida<strong>de</strong> fictícia à realida<strong>de</strong>, ele<br />
ressalva que a ficção precisa manter uma relação com alguma entida<strong>de</strong><br />
real – o real seria, para ele, o que se impõe por si e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da<br />
linguag<strong>em</strong>. Bentham, no entanto, não se ocupa n<strong>em</strong> se preocupa com a<br />
ficção literária – o fictício fabuloso –, mas concentra-se na ficção que<br />
serviria ao funcionamento da socieda<strong>de</strong>, a ficção necessária 42 .<br />
Se <strong>em</strong> Bentham as entida<strong>de</strong>s fictícias se constitu<strong>em</strong> como<br />
discurso e limitam a realida<strong>de</strong> à substância 43 que se coloca como<br />
inquestionável para o hom<strong>em</strong> – s<strong>em</strong> o intermédio da percepção e da<br />
linguag<strong>em</strong> – <strong>em</strong> Hans Vaihinger, salienta Costa Lima, as ficções vão<br />
restringir ainda mais, e praticamente <strong>de</strong>finir, a realida<strong>de</strong>. Para Vaihinger –<br />
discípulo <strong>de</strong> Kant – a realida<strong>de</strong> inclui também a dimensão psíquica,<br />
limitada às sensações ou mundo material subjetivo. Embora s<strong>em</strong> ter<br />
conhecimento da teoria das ficções formulada sessenta anos antes por<br />
Bentham, o al<strong>em</strong>ão Vaihinger, ao elaborar a sua filosofia do como se,<br />
confirma o conceito <strong>de</strong> ficções necessárias e acrescenta às ficções a<br />
função <strong>de</strong> organizar o material das sensações. Mas vai além, ao apontar<br />
para a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> gradação das ficções estabelecendo a distinção entre<br />
dogma, ficção e hipótese. De acordo com Costa Lima, para Vaihinger o<br />
dogma seria a realida<strong>de</strong> tomada como ficção, ou uma “ficção falsa”; a<br />
hipótese, uma ficção que, através da apresentação e organização <strong>de</strong><br />
dados, busca ser confirmada como expressão da realida<strong>de</strong>, “ficção útil por<br />
excelência”; e a ficção per se estaria entre o dogma e a hipótese, “meio<br />
<strong>de</strong> passag<strong>em</strong> [...] n<strong>em</strong> dogma, n<strong>em</strong> hipótese, mas caminho que po<strong>de</strong><br />
42 Ao tratar da ficção <strong>em</strong> Hans Vaihinger, Costa Lima (2006) esclarece o que seriam as ficções<br />
úteis ou necessárias: o direito penal, por ex<strong>em</strong>plo, estaria baseado na ficção da liberda<strong>de</strong> – uma<br />
ficção necessária, s<strong>em</strong> a qual ele não funcionaria –, ou seja, há o pressuposto <strong>de</strong> que alguém é<br />
culpável pois o direito enten<strong>de</strong> que há liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> se cometer ou não um ato<br />
consi<strong>de</strong>rado criminoso, e a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pena se fundamenta nesta pressuposição.<br />
43 Acerca da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> como substância, Costa Lima explicita: “Para Bentham, a<br />
substância seria o que está absolutamente aí; o que permaneceria presente s<strong>em</strong> o intermédio da<br />
linguag<strong>em</strong>.” (2006, p. 267).