21.05.2014 Views

Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus

Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus

Literatura e Jornalismo: Fato e ficção em Abusado e Cidade de Deus

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

84<br />

Embora Bentham oponha a entida<strong>de</strong> fictícia à realida<strong>de</strong>, ele<br />

ressalva que a ficção precisa manter uma relação com alguma entida<strong>de</strong><br />

real – o real seria, para ele, o que se impõe por si e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da<br />

linguag<strong>em</strong>. Bentham, no entanto, não se ocupa n<strong>em</strong> se preocupa com a<br />

ficção literária – o fictício fabuloso –, mas concentra-se na ficção que<br />

serviria ao funcionamento da socieda<strong>de</strong>, a ficção necessária 42 .<br />

Se <strong>em</strong> Bentham as entida<strong>de</strong>s fictícias se constitu<strong>em</strong> como<br />

discurso e limitam a realida<strong>de</strong> à substância 43 que se coloca como<br />

inquestionável para o hom<strong>em</strong> – s<strong>em</strong> o intermédio da percepção e da<br />

linguag<strong>em</strong> – <strong>em</strong> Hans Vaihinger, salienta Costa Lima, as ficções vão<br />

restringir ainda mais, e praticamente <strong>de</strong>finir, a realida<strong>de</strong>. Para Vaihinger –<br />

discípulo <strong>de</strong> Kant – a realida<strong>de</strong> inclui também a dimensão psíquica,<br />

limitada às sensações ou mundo material subjetivo. Embora s<strong>em</strong> ter<br />

conhecimento da teoria das ficções formulada sessenta anos antes por<br />

Bentham, o al<strong>em</strong>ão Vaihinger, ao elaborar a sua filosofia do como se,<br />

confirma o conceito <strong>de</strong> ficções necessárias e acrescenta às ficções a<br />

função <strong>de</strong> organizar o material das sensações. Mas vai além, ao apontar<br />

para a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> gradação das ficções estabelecendo a distinção entre<br />

dogma, ficção e hipótese. De acordo com Costa Lima, para Vaihinger o<br />

dogma seria a realida<strong>de</strong> tomada como ficção, ou uma “ficção falsa”; a<br />

hipótese, uma ficção que, através da apresentação e organização <strong>de</strong><br />

dados, busca ser confirmada como expressão da realida<strong>de</strong>, “ficção útil por<br />

excelência”; e a ficção per se estaria entre o dogma e a hipótese, “meio<br />

<strong>de</strong> passag<strong>em</strong> [...] n<strong>em</strong> dogma, n<strong>em</strong> hipótese, mas caminho que po<strong>de</strong><br />

42 Ao tratar da ficção <strong>em</strong> Hans Vaihinger, Costa Lima (2006) esclarece o que seriam as ficções<br />

úteis ou necessárias: o direito penal, por ex<strong>em</strong>plo, estaria baseado na ficção da liberda<strong>de</strong> – uma<br />

ficção necessária, s<strong>em</strong> a qual ele não funcionaria –, ou seja, há o pressuposto <strong>de</strong> que alguém é<br />

culpável pois o direito enten<strong>de</strong> que há liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> se cometer ou não um ato<br />

consi<strong>de</strong>rado criminoso, e a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pena se fundamenta nesta pressuposição.<br />

43 Acerca da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> como substância, Costa Lima explicita: “Para Bentham, a<br />

substância seria o que está absolutamente aí; o que permaneceria presente s<strong>em</strong> o intermédio da<br />

linguag<strong>em</strong>.” (2006, p. 267).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!