Ler texto - Escola de Arquitetura - UFMG
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166<br />
Visando transformar Ouro Preto em uma cida<strong>de</strong> condizente com os i<strong>de</strong>ais do século<br />
XIX, os políticos ouropretanos fizeram várias intervenções no espaço urbano. Esses<br />
melhoramentos não seriam implementados <strong>de</strong> maneira aleatória seguindo os interesses <strong>de</strong><br />
algumas pessoas – não <strong>de</strong>scarto a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> essa hipótese ser verda<strong>de</strong>ira, sendo<br />
necessária a realização <strong>de</strong> uma análise específica – porém, a maioria das intervenções teve<br />
como objetivo interligar o centro da cida<strong>de</strong>, com seus hotéis, estabelecimentos comerciais e<br />
centro <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, ao local on<strong>de</strong> estava alocado o ramal ferroviário. As ruas adjacentes também<br />
passariam por melhoramentos, como a reforma do calçamento e alargamento <strong>de</strong> ruas, a<br />
reformulação do sistema <strong>de</strong> água e esgoto, iluminação pública, a construção <strong>de</strong> um novo<br />
cemitério, etc.<br />
Mas tudo isso não foi suficiente para mudar a posição <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da elite<br />
política mineira, e convencê-la <strong>de</strong> que Ouro Preto po<strong>de</strong>ria ser uma cida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna; a capital<br />
fora transferida para Belo Horizonte em 1897. A mesma ferrovia que iria manter a glória da<br />
ida<strong>de</strong> áurea agora estava levando-a embora, como verificado na saudosa lembrança <strong>de</strong> Pires<br />
<strong>de</strong> sua <strong>de</strong>spedida:<br />
A 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1897, por uma madrugada nevoenta e fria, parti <strong>de</strong> Ouro Preto,<br />
com minha família (ainda bem pequena, aliás: mulher e três filhos) para Belo<br />
Horizonte, que ainda não estava inteiramente construída.<br />
Experimentei gran<strong>de</strong> emoção ao encontrar, à minha espera, na Estação <strong>de</strong> Ouro<br />
Preto, para se <strong>de</strong>spedirem <strong>de</strong> mim, meus alunos do externato do Ginásio Mineiro,<br />
um dos quais me fez um discurso que me sensibilizou profundamente.<br />
Com o coração transbordante <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>s e com a alma cheia <strong>de</strong> esperanças, <strong>de</strong>ixei,<br />
nessa madrugada nevoenta e fria, a cida<strong>de</strong> hospitaleira e amiga, on<strong>de</strong> transcorreram<br />
os quatorze melhores anos <strong>de</strong> minha vida.<br />
Quando se pôs em movimento o trem que me conduzia para novas terras, e para a<br />
vida nova, senti o travo <strong>de</strong> imensa tristeza. É que, como o autor <strong>de</strong> Madame Borary,<br />
em relação à cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> ele passara a mocida<strong>de</strong>, eu podia, também, dizer, em<br />
relação à Ouro Preto: “Ah! J’ai y bien aimé, bien revê at bu pás mal <strong>de</strong> petits verres<br />
avec dês gens maintenant morts.” 437<br />
Com a construção e a inauguração do ramal na região da Barra, a ferrovia passou a<br />
fazer parte da cida<strong>de</strong> e a conviver cotidianamente com as pessoas, não <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> criar<br />
novos hábitos e mudar antigos comportamentos. Antes mesmo <strong>de</strong> sua inauguração, <strong>de</strong>spertou<br />
o interesse <strong>de</strong> algumas pessoas que tentaram se aproveitar da situação e conseguir retirar<br />
algum lucro com a especulação imobiliária. A Câmara Municipal conce<strong>de</strong>u privilégio sobre<br />
os terrenos da região próxima ao ramal para a construção <strong>de</strong> casas a Chrispiniano Tavares, e<br />
este transferiria os direitos a Ricardo Oliveira Quites. Pela expectativa existente na opinião<br />
dos políticos e jornalistas, era <strong>de</strong> se esperar que ocorresse uma atração <strong>de</strong> pessoas a<br />
437 PIRES, A. Op. cit., p. 223.