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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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avançar pelo <strong>mar</strong>. Enquanto o Sr. Nilsson operava o leme, nós nos revezávamos<br />

com os cobertores estendi<strong>do</strong>s sobre os joelhos para que secassem ao sol — que<br />

agora finalmente era capaz de nos aquecer, embora também ressecasse nossa<br />

pele a ponto de fazê-la sangrar.<br />

Quanto às minhas bolhas, começavam a cicatrizar, o que me deixou<br />

<strong>mar</strong>avilhada com a capacidade <strong>do</strong> corpo de se recuperar, com sua vitalidade<br />

mesmo diante da morte certa. Dessa vez tínhamos água suficiente para beber,<br />

mas não tínhamos comida, e era difícil afastar a sensação de que pouco a pouco<br />

morríamos de fome. Perguntei ao Sr. Preston quanto tempo uma pessoa<br />

conseguia viver sem se alimentar, e ele respondeu que entre quatro e seis<br />

semanas.<br />

— Contanto que tenha água suficiente — completou.<br />

— Estamos garanti<strong>do</strong>s por um pouco mais de tempo, então — comentei. Ele<br />

então disse que esperava que sim, mas sua expressão era tão desanimada que<br />

acrescentei, apesar das provas em contrário: — Tenho certeza de que vamos nos<br />

sair bem.<br />

Foi então que o Sr. Preston contou-me o que lhe dissera certa vez um médico<br />

conheci<strong>do</strong> seu:<br />

— A inanição não depende apenas <strong>do</strong> corpo. Depende também da mente. As<br />

pessoas que persistem têm mais probabilidade de sobreviver <strong>do</strong> que as que<br />

perdem a vontade de viver.<br />

— Nesse caso, precisamos persistir — falei, mas mesmo enquanto o dizia senti<br />

o coração palpitar.<br />

— Eu penso em Doris — disse ele. — Ela é minha fonte de energia. —<br />

Imaginei que Doris fosse sua esposa, ainda que ele não tenha dito isso<br />

claramente. — Não me preocupo muito comigo, mas preciso sobreviver por ela.<br />

— Mas o senhor não teria vontade de viver se não fosse por ela? — perguntei,<br />

surpresa com sua veemência. — Não quer viver por si mesmo?<br />

Seus lábios <strong>do</strong>lorosamente racha<strong>do</strong>s e incha<strong>do</strong>s tinham <strong>do</strong>bra<strong>do</strong> de tamanho, e<br />

percebi que as palmas de suas mãos haviam se transforma<strong>do</strong> em uma pasta<br />

sanguinolenta devi<strong>do</strong> à luta desesperada com os remos durante a tempestade. Ele<br />

as mantinha cerradas, e eu as via apenas quan<strong>do</strong> o barco se inclinava e ele<br />

precisava se segurar para manter o equilíbrio. Ele engoliu um gemi<strong>do</strong>, mas foi<br />

com uma voz firme, ainda que baixa, que me contou que ia to<strong>do</strong>s os dias a um<br />

depósito sem aquecimento, onde, sob uma luz fraca, registrava enormes colunas<br />

de números em um livro contábil. Se ele era capaz de manter essa rotina dia após<br />

dia, ano após ano, para que ele e Doris tivessem condições de colocar comida na<br />

mesa e ter um lugar decente para morar, então não havia nada que ele não<br />

pudesse fazer. Pensei em minha irmã Miranda, que eu jamais imaginara ser tão<br />

forte. Ela me parecia uma mistura <strong>do</strong> Sr. Preston com Mary Ann, e muitas vezes<br />

me perguntei como teria se saí<strong>do</strong> se estivesse no barco salva-vidas em meu

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