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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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— Diretamente não — respondi.<br />

— Em algum momento a senhora temeu por sua vida?<br />

— Sim — admiti, pois é claro que eu sentia me<strong>do</strong> desde o momento da<br />

explosão a bor<strong>do</strong> <strong>do</strong> Empress Alexandra.<br />

Mesmo depois de eu responder, o Sr. Reichmann continuou a fazer perguntas<br />

correlatas, em um tom cada vez mais hostil.<br />

— Sra. Winter, acredito que esteja mentin<strong>do</strong>. A senhora se sentia ameaçada?<br />

— perguntava ele insistentemente, assustan<strong>do</strong>-me com sua veemência.<br />

— Sim! — gritei por fim. — Eu me sentia ameaçada to<strong>do</strong>s os dias!<br />

Apenas mais tarde percebi que a genialidade da técnica <strong>do</strong> Sr. Reichmann<br />

estava em induzir o júri a supor erradamente, a partir da justaposição das<br />

respostas, que eu tinha me<strong>do</strong> de Hannah e da Sra. Grant.<br />

Durante o recesso seguinte, o Sr. Reichmann puxou-me de la<strong>do</strong> e disse:<br />

— A senhora sobreviveu àquele barco, agora precisa sobreviver a isto aqui. E<br />

não cometa o erro de pensar que a situação atual é diferente.<br />

— O que quer dizer com isso?<br />

Ele dirigiu-me um olhar de cumplicidade, <strong>do</strong> tipo que os advoga<strong>do</strong>s trocam<br />

durante depoimentos questionáveis ou <strong>do</strong> tipo que Hannah e a Sra. Grant<br />

trocavam o tempo inteiro, tanto no tribunal quanto antes, no barco.<br />

— Se precisar sacrificar alguém para se salvar, garanto que desta vez não será<br />

condenada por isso.<br />

Na preparação para meu depoimento, o Sr. Reichmann passara vários dias me<br />

bombardean<strong>do</strong> com uma série de perguntas que o Sr. Ligget e o Sr. Glover<br />

haviam elabora<strong>do</strong>. Os <strong>do</strong>is advoga<strong>do</strong>s assistentes se mantinham na retaguarda;<br />

então ocasionalmente um ou outro desempenhava o papel de promotor e fazia<br />

uma pergunta diferente, mais agressiva. Durante esse procedimento, até o páli<strong>do</strong><br />

Sr. Ligget se transformava: suas feições se contorciam e seus lábios vermelhos se<br />

deformavam em um terrível riso de escárnio. Olhei com ar de ofendida na<br />

direção <strong>do</strong> Sr. Glover, que sempre se mostrara gentil e pronto a me tranquilizar,<br />

mas ele simplesmente me ignorou, como se não tivesse me visto. Na sua vez de<br />

fazer o papel de promotor e me interrogar, detectei nele uma satisfação apenas<br />

velada por estar agora de certo mo<strong>do</strong> no coman<strong>do</strong>, como se nossas posições<br />

tivessem sofri<strong>do</strong> uma inversão e ele me punisse por alguma desfeita que eu não<br />

fazia ideia de ter cometi<strong>do</strong>. Não pude deixar de pensar que sua personalidade não<br />

era tão tranquila quanto eu imaginara, e senti-me aliviada quan<strong>do</strong> o Sr.<br />

Reichmann retomou a palavra, pois ele era invariavelmente respeitoso e gentil<br />

em todas as circunstâncias, sempre autêntico, sempre firme em defender meu<br />

nome nos confrontos com a acusação e representa<strong>do</strong> com muita habilidade por<br />

seus colabora<strong>do</strong>res. Em diversas ocasiões elogiou-me por meu “diário”, que,<br />

segun<strong>do</strong> ele, fora muito útil na preparação de nossa defesa, mas a opinião geral<br />

era de que meu relato não deveria fazer parte das provas.

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