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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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proprietária de hotéis, esfregava as mãos e tremia entre profun<strong>do</strong>s soluços secos.<br />

Explicou que tinha si<strong>do</strong> a última pessoa a falar com a Sra. Cook, e eu não via<br />

motivo para duvidar, ainda que outros passageiros tenham me confessa<strong>do</strong> que o<br />

Sr. Hardie falara com ela um pouco mais tarde. Como ele não cultivava o hábito<br />

de falar a sós com as mulheres, pensei que talvez a história tivesse muda<strong>do</strong> ou<br />

que Hannah e Greta estivessem exageran<strong>do</strong> ou até mentin<strong>do</strong>. Mas uma vez que<br />

eu não testemunhara nada, preferi não opinar. Embora a Sra. McCain tivesse<br />

trabalha<strong>do</strong> como dama de companhia da Sra. Cook, ela se recusava a demonstrar<br />

qualquer emoção.<br />

— O que eu poderia fazer a esta altura? — perguntou.<br />

A chuva diminuiu e a manhã se foi. Tenho poucas lembranças <strong>do</strong> que<br />

aconteceu nesse perío<strong>do</strong>, a não ser que pouco antes <strong>do</strong> meio-dia o Sr. Hardie<br />

apontou para uma linha distante onde a textura e a cor da água mudavam<br />

abruptamente.<br />

— Tempestade — anunciou ele, e calou-se por um instante. — Até que ela nos<br />

alcance, precisamos decidir o que queremos fazer.<br />

Olhei ao re<strong>do</strong>r, para os trinta e seis companheiros restantes, depois para a água<br />

que chegava a meus tornozelos, e por fim virei-me para observar com certo<br />

distanciamento a longínqua faixa de água batida pelo vento, como se eu estivesse<br />

me lembran<strong>do</strong> da cena e não a viven<strong>do</strong> naquele exato momento. Quan<strong>do</strong> o Sr.<br />

Hardie nos informou que a tempestade chegaria em quinze minutos, seus olhos<br />

insondáveis finalmente encontraram os meus. “Estamos em suas mãos”, tentei<br />

comunicar-lhe com o olhar. “Basta nos dizer o que fazer.” Seus olhos<br />

demoraram-se em mim. Eu me sentia eletrizada por seu olhar, ancorada. Pela<br />

primeira vez em dias me senti aquecida. Eu sabia que o Sr. Hardie nos salvaria,<br />

se isso estivesse a seu alcance.<br />

Tantas ondas quebravam por cima da amurada que agora as ignorávamos,<br />

mas o céu assumira um tom a<strong>mar</strong>elo-esverdea<strong>do</strong> que até então nunca víramos.<br />

— Façam suas orações, companheiros — disse Hardie, e então as esperanças<br />

que haviam cresci<strong>do</strong> em mim apenas no momento anterior reduziram-se a nada.<br />

À minha volta, as pessoas encarregadas de baldear a água haviam adquiri<strong>do</strong><br />

uma energia tão furiosa quanto inútil.<br />

— Ah, por favor, desistam! — exclamei, pois o nível da água estava<br />

claramente subin<strong>do</strong> dentro <strong>do</strong> barco apesar de to<strong>do</strong>s os esforços para contê-la. —<br />

Vamos nos afogar!<br />

Eu não via alternativa. Abracei com força meu peito desprovi<strong>do</strong> de ar.<br />

— Não temos saída! — gritei para os outros, ou talvez apenas para Mary Ann.<br />

— Não veem que vamos morrer?<br />

— Temos saída, sim — objetou o Sr. Hoffman. — Já falamos sobre isso. Basta<br />

que alguns pulem <strong>do</strong> barco para aliviar o peso. — Ele fez uma pausa para que<br />

suas palavras fossem assimiladas. — É nossa única chance.

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