No coracao do mar - Charlotte Rogan

DIA CINCO
Foi só depois que o diácono fez uma oração pela falecida e o Sr. Hardie e o
coronel desceram o corpo da Sra. Fleming para a água que alguém reparou que
apenas um dos barcos salva-vidas continuava por perto. Havíamos perdido o
outro de vista durante a noite. Senti que todos ficaram desanimados com mais
essa má notícia logo após a morte da Sra. Fleming, com exceção do Sr. Hardie,
que, estranhamente jovial, anunciou que pegaria um peixe para comermos.
Desembainhou a longa faca que carregava na cintura e inclinou-se por sobre a
amurada do barco para observar a água, a lâmina a postos acima da cabeça. As
nuvens tinham se dissipado e o sol imprimia ao oceano um brilho translúcido
como o de um diamante, e, como ele prometera, menos de uma hora se passara
quando Hardie mergulhou a faca na água e puxou para dentro do barco um peixe
enorme. Tinha cerca de um metro de comprimento, formato achatado e uma
coloração marrom malhada. O peixe agitou-se no fundo do barco até que Hardie
abriu-o de cima a baixo com um corte profundo, depois do que o animal ainda
deu dois saltos no ar e tombou, inerte.
— Nosso jantar — exclamou Hardie, erguendo o peixe, que reluziu ao sol.
— Vamos comê-lo cru? — perguntou Isabelle.
— Não, podemos refogá-lo em molho de alho e manteiga.
Perguntei a mim mesma como isso seria feito e por um momento acreditei
que, se Hardie dizia que era possível, então realmente era. Mesmo quando, com
as mãos ainda sujas de um muco avermelhado, ele distribuiu os pedaços de peixe
cru pingando água, continuei iludida, e consegui engolir a carne crua sem nojo.
Já Greta mal teve tempo de se desviar da Sra. Grant para debruçar-se sobre a
amurada do barco e vomitar, e Mary Ann se recusou terminantemente a comer
até eu sugerir que imaginasse que estávamos em seu banquete de casamento e
nos deliciávamos com um prato de frutos do mar.
Comi minha porção de peixe devagar, saboreando cada pedaço, ciente de que
era um alimento precioso tanto pela água que continha quanto pelas proteínas de
que nossos corpos desgastados tanto careciam. O gosto era levemente salgado,
talvez porque o Sr. Hardie o lavara na água do oceano depois de eviscerá-lo, mas
foi a textura que mais me surpreendeu. A carne não se desmanchava como em
geral se desmancham os peixes cozidos; era firme e fibrosa — quase viva. Eu já
tinha visitado fazendas, claro, sabia de onde provinham vacas e porcos, e mesmo
na cidade era possível comprar uma galinha viva ou vê-la ser abatida, por isso eu
não era ingênua sobre a realidade de transformar animais em comida. Com o
peixe, no entanto, senti que tínhamos chegado muito perto da fina membrana que
separa os seres vivos dos mortos e que, não obstante os nomes sugestivos que
damos aos pratos, como coq au vin, bife a cavalo ou lagosta ao Thermidor, a