No coracao do mar - Charlotte Rogan

DIA NOVE
Na manhã seguinte Lisette apontou para alguma coisa que flutuava na água a
estibordo do barco. Ao perceber que se tratava da touca de Rebecca, fechei os
olhos, por medo de logo depois virmos boiando à nossa volta a própria Rebecca
Frost.
Mary Ann começou a chorar e a gemer. Era um som lamentável e teria sido
doloroso se eu já não tivesse ultrapassado o estágio da piedade e se não
contássemos agora com o fato obviamente favorável de haver no barco duas
pessoas a menos do que no início de nossa jornada. Além disso, em termos
práticos não existia muita coisa a fazer a respeito. Na verdade, eu sentia uma
profunda irritação e um louco desejo de estrangular Mary Ann. A Sra. Grant,
sentada duas fileiras à nossa frente, voltou, espremeu-se entre nós e colocou o
braço ao redor dos ombros dela. Levou bem mais de uma hora — quase dois
turnos de revezamento com os baldes — para ela se acalmar e adormecer contra
o ombro inflexível da Sra. Grant, mas meu ressentimento persistia. Por que a
fraqueza deveria ser recompensada daquela maneira?
Eu teria gostado de me apoiar na Sra. Grant também, mas ao mesmo tempo
ela me intimidava um pouco, e eu jamais lhe pediria tal coisa. Ela tinha um
comportamento diferente com cada pessoa, e ainda não fizera nenhum esforço
para me reconfortar.
Estou tentando ser honesta. Quando penso em Mary Ann sinto um aperto no
coração. Ela era linda e frágil. O anel de noivado de diamante deslizava
inutilmente por seu dedo fino. As veias violáceas de seu pulso pareciam uma
caligrafia caprichada sobre o pergaminho branco que era sua pele. Em outras
circunstâncias poderíamos ter nos tornado amigas de verdade, mas no barco ela
não me inspirava compaixão alguma. Tratava-se de uma pessoa fraca, e era
pouco provável que sobrevivesse ou que contribuísse para prolongar a vida de
outros.
Acredito que Hannah e a Sra. Grant tivessem opinião similar, pois mais tarde
as vi sentadas perto da amurada, as cabeças inclinadas uma na direção da outra,
com uma expressão séria no rosto e olhando de tempos em tempos para Mary
Ann. Sobre o que falavam, eu não fazia ideia. Estaria faltando com a verdade se
afirmasse o contrário, mas devo confessar que consegui entender “os mais
fracos” e “estratégia”. Não me peçam para atribuir significado a essas palavras.
Mesmo agora, com a vantagem do tempo, não tenho a menor ideia do que
queriam dizer.
Foi nosso primeiro dia sem ter o que comer. Não havia uma migalha sequer
de biscoito, nem um pedacinho de peixe, e quando Hardie distribuiu nossa porção
de água, cada um teve direito a apenas um pequeno gole. A Sra. McCain