No coracao do mar - Charlotte Rogan

casamento do filho ao ler no jornal a lista de sobreviventes. Apesar das possíveis
implicações para mim, não pude deixar de sorrir ao pensar no choque que deve
ter desfigurado o que eu imaginava ser seu rosto frio e insolente.
Na carta, minha sogra pouco revelava do julgamento que fazia da situação,
limitando-se a sugerir que meus advogados promovessem um encontro entre nós.
Pedi que o Sr. Reichmann lhe comunicasse que eu não me sentia no direito de
incomodá-la, uma vez que essa ação penal era uma mancha em minha
reputação, e eu não queria que essa mancha a maculasse ou a qualquer outro
membro de sua família. Devo admitir, no entanto, que de certa forma pensei
também em mim, pois não quero aparecer diante da família de Henry de
cabeça baixa, assim como não quero que eles esperem ver em meu semblante
algum indício de culpa ou vergonha — mesmo porque não sinto nada disso.
Quero que em nosso primeiro encontro não haja qualquer dúvida acerca de
minha inocência. Se é a Sra. Winter quem está pagando minha defesa, e só posso
imaginar que seja, fico extremamente agradecida, mas me recuso a aceitar que
gratidão seja o único fundamento para qualquer relação que venhamos a
estabelecer. Em minha família, apenas Miranda parece ciente de minha
situação. Ela escreveu para dizer que, devido à fragilidade da saúde de nossa
mãe, estava fora de cogitação contar-lhe sobre meu problema. Em algum
momento também escreverei para ela, mas por enquanto é um alívio estar livre
de obrigações familiares.
Entreguei hoje ao Sr. Reichmann os cadernos com meu relato dos dias
passados no barco salva-vidas. Ele agradeceu e, em troca, deixou um caderno
novo, em branco, e um estoque de tinta. Fiquei surpresa e agradecida, pois devo
admitir que estou ansiosa para sentar e recomeçar a escrever minhas
reminiscências, como Aristóteles teria chamado meus escritos. Não recordo de
tudo na hora, mas uma ideia leva a outra, e assim consigo lembrar-me de muito
mais do que julguei possível quando, atendendo ao pedido do Sr. Reichmann,
comecei a escrever. Quando ele deslizou o caderno novo para o outro lado da
mesa em que éramos obrigados a nos sentar, nossas mãos se tocaram, o que
pareceu assustá-lo de tal modo que ele recuou de repente e procurou desviar a
atenção do incidente, explicando-me o que eu poderia esperar do processo
quando tivessem início os trâmites legais.
— A justiça pode ser lenta — concluiu.
— Se é que ela existe — retruquei.
Fiz questão de usar um tom de voz inflexível e categórico, o que pareceu
assustá-lo de novo. Dei então uma risada para dissipar a impressão que minha
seriedade causara. Fui recompensada por uma sombra fugaz que cruzou seu
rosto, o que indicava que aquele homem tão confiante não estava inteiramente
seguro de si em todos os pontos. Minha risada valeu-me um olhar de reprovação
da carcereira, que havia se colocado em um canto distante da sala. O Sr.