No coracao do mar - Charlotte Rogan

poucas gotas de água. Sem água, não aguentamos seis dias.
— Seis dias! Muita coisa pode acontecer em seis dias! — cortou o diácono,
recuperando parte do antigo ardor. — O mundo foi criado em seis dias!
— Só peço que pensem nisso — gritou Hardie, e em seguida anunciou uma
troca de turnos.
Ele ordenou que o Sr. Nilsson usasse o leme para manter o nariz do barco na
direção do vento, enquanto ele mesmo empenhava-se freneticamente em retirar
a água verde e calma do fundo do barco e devolvê-la por cima da borda a seu
irmão escuro e agitado. Mais sete trocas de turno se seguiram. Sete horas se
passaram, sete horas em que me mantive atenta a cada segundo, a cada leve
golpe do vento em meu rosto, a cada interminável instante de pavor, a cada
mínimo detalhe daquele cenário desolador. Lembrando-me disso agora, no
entanto, é como se aquele tempo todo houvesse transcorrido em um piscar de
olhos. Uma após outra, as ondas quebravam por cima da proa do barco,
inutilizando horas de trabalho árduo em um só instante, e ainda assim Hardie
insistia em retirar água, recusando-se a colocar seu balde em mãos menos
capazes.
Deixei-me ser tomada por uma grande prostração, uma resignação tão intensa
que senti que conseguiria aceitar com serenidade o futuro, qualquer que fosse.
Não sei se foi porque confiei minha vida ao Sr. Hardie ou porque sabia que, se
morresse, seria com ele. O que quer que tenha que recair sobre mim, que seja;
ao meu redor, no entanto, os demais passageiros não estavam tão dispostos assim
a se resignar. A Sra. Grant abriu caminho até o centro do barco e fez uma
preleção sobre a força de vontade humana, o que inspirou o diácono a evocar a
vontade divina, e até Mary Ann fez uma breve pausa em suas lamúrias para
atacar o Sr. Hoffman, acusando-o de não ter fé quando era justamente aquilo de
que mais precisávamos.
Em algum momento daquela noite consegui dormir, embora tivesse
imaginado que isso seria impossível. Apenas poucos minutos depois, segundo
minha tortuosa percepção, Mary Ann me sacudia.
— É Rebecca — disse ela, tremendo descontroladamente.
Vi uma das italianas estender o braço para afastar uma mecha de cabelo dos
olhos de Rebecca, e então constatei que sua boca estava aberta e os olhos,
revirados.
O diácono fez uma prece por ela e o coronel entregou seu colete salva-vidas a
uma das duas irmãs. Em seguida, Hardie e o coronel ergueram o corpo de
Rebecca e o lançaram ao mar. Seu vestido, que ela tornara a usar depois de seco,
inflou-se e flutuou a seu redor, como asas, mantendo-a à tona por um minuto ou
dois. Depois o corpo afundou, levando consigo também meus últimos resquícios
de esperança.