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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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operações, e agora a Sra. Grant assumira o coman<strong>do</strong> de tu<strong>do</strong>, e não havia um<br />

motivo real para deduzir que ela seguiria o mesmo procedimento, mas isso se<br />

tornara um hábito entre nós. <strong>No</strong> entanto, se eu tivesse refleti<strong>do</strong> duas vezes — o<br />

que não sei se eu seria capaz de fazer devi<strong>do</strong> ao esta<strong>do</strong> de fraqueza em que me<br />

encontrava —, chegaria à conclusão de que a Sra. Grant gostaria de manter as<br />

coisas o mais próximo possível da normalidade, a fim de nos convencer que<br />

aquela era apenas mais uma das muitas tarefas rotineiras que qualquer um que<br />

se encontrasse à deriva em um barco salva-vidas teria si<strong>do</strong> solicita<strong>do</strong> a executar.<br />

Seja como for, Mary Ann votou antes de mim. Depois <strong>do</strong> que eu lhe dissera<br />

— acrescentei também algo como “Não pense tanto em você. Pense no seu<br />

Robert. Pense em nós; ou até mesmo em você, se quiser: debaten<strong>do</strong>-se na água<br />

escura, batalhan<strong>do</strong> para prolongar sua vida por mais um ou <strong>do</strong>is inúteis minutos,<br />

não porque isso a salvará, mas porque lutar contra a morte é parte <strong>do</strong> nosso<br />

instinto como animais” —, Mary Ann escondeu o rosto e murmurou<br />

pateticamente um “Não sou um animal”, depois ergueu a mão e fez um sinal<br />

positivo com a cabeça.<br />

Depois foi a minha vez. Os olhos de Mary Ann continuavam escondi<strong>do</strong>s atrás<br />

<strong>do</strong>s punhos cerra<strong>do</strong>s. Seu cabelo caía sobre o rosto em um e<strong>mar</strong>anha<strong>do</strong>. Já havia<br />

votos suficientes para aprovar a resolução, por isso quan<strong>do</strong> a Sra. Grant e Hannah<br />

olharam para mim, falei em voz baixa:<br />

— Eu me abstenho. Meu voto não é necessário. Façam o que quiserem.<br />

Não sei se, de onde estava, Hardie conseguia ouvir minhas palavras, mas fiz<br />

um aceno negativo com a cabeça na esperança de que ele imaginasse que eu<br />

votara não. Eu ainda me sentia em dívida com aquele homem que fora nosso<br />

líder — com os homens em geral — e, claro, com Deus, que eu sempre vira<br />

como homem, embora agora o visse na forma líquida, erguen<strong>do</strong>-se<br />

caprichosamente e ameaçan<strong>do</strong> nos afogar mas manten<strong>do</strong>-nos vivos apenas para<br />

nos submeter a mais caprichos e ameaças.<br />

Hannah resmungou alguma coisa bem baixinho. Seu rosto macilento estreitouse<br />

em uma careta. Seu ferimento era um longo risco vermelho que atravessava<br />

uma das faces. Eu não conseguia ouvir o que ela dizia, mas até hoje posso ver<br />

seus lábios racha<strong>do</strong>s e ensanguenta<strong>do</strong>s que pareciam outro ferimento logo acima<br />

<strong>do</strong> queixo. “Covarde”, ela pareceu dizer, mas a Sra. Grant acalmou-a com um<br />

gesto suave e dirigiu seu olhar impenetrável para mim por um instante.<br />

Confortei-me de certa forma, pois eu também me sentia em parte enfeitiçada<br />

por ela. Era um <strong>do</strong>m que a Sra. Grant tinha, de dar às pessoas a impressão de que<br />

eram compreendidas. E esse efeito era ainda mais forte nas outras mulheres <strong>do</strong><br />

que em mim. Elas trocavam olhares serenos entre si e algumas sentiam-se até<br />

encorajadas a enfrentar Hardie sem me<strong>do</strong>.<br />

Se contássemos as italianas, que haviam ergui<strong>do</strong> as mãos entre gemi<strong>do</strong>s,<br />

embora ninguém pudesse garantir se compreendiam ou não o que se passava,

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