No coracao do mar - Charlotte Rogan

flutuando na água salgada: a bolsa empapada da Sra. Grant, sobre a qual ela
repousava os pequenos pés, a caixa-forte do coronel, o urso de pelúcia do
pequeno Charlie. Então pensei comigo mesma que aquilo não nos faria falta, sem
refletir que na verdade precisávamos da comida, da água e dos cobertores para
sobreviver e que as outras coisas pesavam dez quilos no máximo, ou seja,
dificilmente fariam a diferença entre a salvação e a morte.
Os outros devem ter compreendido antes de mim aonde Hardie queria chegar,
pois a onda de consternação foi tão gelada quanto a água que vez ou outra
respingava em nós. Houve um leve murmúrio. Minha perna tocava a do diácono,
que tinha se virado para ver de frente o que ele passara a chamar de seu
rebanho: era como se uma descarga elétrica fosse transmitida de seu corpo para
o meu, e então compreendi que o Sr. Hardie esperava por voluntários.
— Por que o senhor mesmo não se oferece? — perguntou Hannah, zangada,
como se a água cada vez mais alta fosse problema apenas de Hardie e não dela
ou de qualquer outra pessoa.
— O barco está pesado demais para navegar com vela. Não estamos
conseguindo baldear a água com a rapidez necessária. Do jeito que está agora, o
vento não passa de uma brisa. E mesmo se desistirmos da ideia de avançar, caso
chegue uma tempestade, será tarde demais.
Todos olharam para o mar. Eu tinha baldeado água durante mais de uma hora
sem desgrudar os olhos do fundo do barco, por isso tinha uma percepção
distorcida do tipo de água de que falávamos. Ali a meus pés havia apenas uma
poça de uns trinta centímetros de profundidade, esverdeada mas essencialmente
transparente, e cheia de sapatos de couro de vários tipos, todos molhados. Agora
eu percebia meu erro. A água da qual Hardie falava era azul quase preta e
passava por nós como um interminável cardume de baleias. Nosso barco
alternadamente subia nos amplos dorsos das baleias e deslizava nas profundas
depressões formadas entre elas.
Acima de nós, as nuvens corriam ao vento em disparada. De olhos fechados e
com as mãos juntas sob o queixo, o diácono murmurou:
— Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum.
Eu tremia, e pela primeira vez desde o dia do naufrágio senti um medo
aterrador. Estávamos condenados. Disso eu tinha certeza, ou quase, mas ainda
assim olhei para Hardie, que, com a silhueta recortada contra o céu na traseira
do barco, nos observava, esperando pacientemente que percebêssemos a
gravidade da situação e demonstrássemos alguma reação ao que ele dissera.
O diácono foi o primeiro a se manifestar, mas era apenas uma estratégia para
ganhar tempo:
— O que quer dizer com isso? O senhor precisa explicar tudo com muita
clareza. Quando soubermos quais são nossas opções, tenho certeza de que
poderemos tomar uma decisão racional.