No coracao do mar - Charlotte Rogan

Senti-me aliviada em mais de um sentido quando acabei. Eu tinha ficado tão
tensa pensando em como faria aquilo que mal prestara atenção ao Sr. Hardie
falando sobre nossa situação e fazendo um inventário dos mantimentos e
materiais disponíveis. Agora eu estava em condições de perceber que cada um
dos barcos salva-vidas vinha abastecido com cinco cobertores, uma boia
amarrada a uma longa corda, os três baldes de madeira, duas latas de biscoitos
água e sal que eram uma espécie de ração, um tonel de água doce e dois copos
de estanho. Afora o que o Sr. Hardie conseguira salvar do naufrágio: um pedaço
de queijo, alguns pães e os dois tonéis adicionais de água, que ele supunha serem
de um barco salva-vidas que afundara. Ele nos contou que costumava haver uma
caixa de bússolas guardada no convés do Empress Alexandra, mas que todas
desapareceram durante uma viagem anterior e, como o armador do navio
antecipara a data da nossa partida por conta da guerra que despontava na Áustria,
não chegaram a ser substituídas.
— Digam o que quiserem, mas marinheiros não são nem mais nem menos
honestos do que qualquer outra pessoa.
Ele também fez questão de contar que somente graças a sua rapidez de
raciocínio tínhamos a bordo a cobertura de lona que impedia a chuva de entrar
no barco quando se acumulasse no convés.
— Mas por que precisamos disso? — perguntou o Sr. Hoffmann. — É muito
pesada e ocupa um espaço enorme.
O Sr. Hardie limitou-se a responder:
— Existe o risco da inundação no barco. Vocês mesmos talvez vejam isso,
dependendo de quanto tempo ficarmos aqui.
A maioria dos passageiros usava colete salva-vidas, mas como ficavam
guardados nas cabines, durante a confusão do desastre nem todos tiveram tempo
ou se lembraram de pegar o seu. O Sr. Hardie, duas irmãs que permaneciam o
tempo todo coladas uma à outra quase sem falar e um cavalheiro mais velho
chamado Michael Turner eram alguns dos que não o usavam.
Pouco depois de eu ter voltado para meu lugar, o Sr. Hardie abriu uma das
latas e nos ofereceu os biscoitos de ração, na verdade umas bolachinhas de mais
ou menos dez centímetros quadrados duras como pedra, impossíveis de serem
engolidas sem ajuda de saliva ou de água. Segurei meu biscoito entre os lábios
até começar a se dissolver, contemplando, enquanto isso, a miríade de estrelas
que salpicavam o céu ainda não inteiramente escuro e a imensidão da noite,
única coisa mais vasta que o mar, e rezei para que a força da natureza
responsável por todos os fatos até então ocorridos poupasse meu Henry .
Eu mantinha as esperanças, mas ao meu redor várias mulheres tinham
começado a se desesperar e chorar. O Sr. Hardie levantou-se em meio ao
balanço do barco e declarou:
— Talvez seus entes queridos tenham morrido, talvez não. Há uma grande