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precisava decidir. Eu só precisava decidir o que o Sr. Reichmann alegaria em<br />
meu nome diante <strong>do</strong> juiz.<br />
<strong>No</strong> tribunal, na manhã seguinte, era eu quem estava preocupada com a hora.<br />
A audiência estava <strong>mar</strong>cada para as dez, mas quinze minutos antes o Sr.<br />
Reichmann ainda não havia chega<strong>do</strong>. Hannah e a Sra. Grant tinham i<strong>do</strong> às salas<br />
de conferências encontrar com seus advoga<strong>do</strong>s, e fiquei sozinha em um longo<br />
corre<strong>do</strong>r, sentada em um banco com uma carcereira, ora certa de que o Sr.<br />
Reichmann não colocaria em risco meu caso, ora tomada por receios e dúvidas.<br />
“Onde está meu advoga<strong>do</strong>?”, eu não parava de perguntar à carcereira; e diversas<br />
vezes ela respondeu com muita gentileza, em seu sotaque irlandês: “Daqui a<br />
pouco ele chega. Conheço o Sr. Reichmann, e garanto que é pessoa confiável.”<br />
Quan<strong>do</strong> afinal ele apareceu, engoli minha raiva acumulada e perguntei:<br />
— Está tu<strong>do</strong> bem? Fiquei preocupada, achan<strong>do</strong> que o senhor podia ter sofri<strong>do</strong><br />
algum acidente!<br />
Ele era to<strong>do</strong> sorrisos, sem qualquer vestígio das incertezas demonstradas no dia<br />
anterior.<br />
— Fique tranquila, a audiência foi re<strong>mar</strong>cada para o meio-dia — explicou ele,<br />
largan<strong>do</strong> a pasta no chão, a seus pés.<br />
Achei que deveriam ter me informa<strong>do</strong> da mudança de horário, mas estava tão<br />
aliviada que logo esqueci a angústia que seu atraso me causara. A carcereira<br />
deixou-nos sozinhos, e o Sr. Reichmann sentou-se a meu la<strong>do</strong>.<br />
— Pensou sobre o que lhe falei? — perguntou ele.<br />
De novo senti que havia uma resposta certa para a pergunta, e por um<br />
momento fiquei confusa por não saber o que ele esperava de mim. Acabei<br />
contan<strong>do</strong> a verdade, na fervente esperança de que coincidisse com o que ele<br />
queria ouvir. Olhei dentro de seus olhos, que haviam deixa<strong>do</strong> de refletir<br />
divertimento e agora pareciam poços escuros de preocupação.<br />
— Quan<strong>do</strong> fui na direção <strong>do</strong> Sr. Hardie e de Hannah, eu não sabia direito o<br />
que pretendia. Creio que buscava algo que fizesse a atmosfera no barco salvavidas<br />
voltar ao que era antes de a Sra. Grant tentar provar que o Sr. Hardie era<br />
culpa<strong>do</strong> de alguma coisa. Claro que foi tolice minha, pois o que eu, que não tinha<br />
condições de me comparar a eles, poderia fazer para acabar com a discórdia<br />
que se estabelecera e que ameaçava to<strong>do</strong>s os passageiros?<br />
— Então aleguemos inocência! — exclamou o Sr. Reichmann, espalman<strong>do</strong> a<br />
mão na coxa.<br />
Vê-lo tão satisfeito deixou-me estranhamente feliz, mas minha felicidade foi<br />
encoberta por uma sensação esquisita de estar de novo no barco salva-vidas, de<br />
voltar a fazer uma escolha sem de fato saber as consequências de minha decisão.<br />
Mas essa sensação logo passou, e entrei na sala de audiências com passo<br />
tranquilo, satisfeita por ter cumpri<strong>do</strong> minha parte, satisfeita por agora poder<br />
relaxar e deixar o Sr. Reichmann fazer seu trabalho.