No coracao do mar - Charlotte Rogan

lugar.
Depois que vendemos nossa casa, Miranda convenceu-me a ir com ela até
nosso antigo endereço para dar uma rápida olhada. Paramos primeiro em uma
rua lateral para observar o quintal, seus arbustos e cercas, mas logo Miranda
criou coragem e passamos pela frente da casa fingindo indiferença. De repente
ela parou na rua, diante da porta, e gritou: “Como puderam tomar nossa casa?”
Respondi que não a tinham tomado, nós é que havíamos desistido dela. A dor de
Miranda tocou-me no fundo do coração, mas o sentimento predominante foi o de
irritação com minha irmã e não de raiva das pessoas que eram mais bemsucedidas
na vida do que tinha sido minha família.
Enquanto estávamos ali plantadas na rua como duas mendigas, uma jovem
abriu a porta da casa e saiu, seguida por um homem que poderia ser seu pai.
Estávamos mais afastadas agora e um pouco encobertas pelos arbustos, por isso
imagino que a moça não nos tenha visto, mas sua presença parecia ter aberto os
olhos de Miranda. Consegui convencê-la a prosseguir, mas não sem antes lançar
um olhar maldoso para os novos proprietários da casa. O que se passava comigo
era diferente. Grande parte de mim os admirava, e ao ver aquela jovem em um
longo vestido branco enfeitado com fitas azuis senti uma estranha esperança.
Alguma coisa na conversa que tive com o Sr. Preston fortaleceu-me. Não sei
se foi a ideia de que eu trazia dentro de mim a razão para viver ou se ele
despertara meu instinto de competição, a determinação de não ser vencida pelas
circunstâncias. Olhei para os outros a meu redor, depois arranquei o balde das
mãos do passageiro que baldeava a água mais próximo dali e me lancei eu
mesma à tarefa, como se minha vida dependesse daquilo — o que talvez fosse
verdade.
Decidimos seguir rumo à Europa, ainda que estivéssemos mais perto da
América. De tempos em tempos o Sr. Hardie gritava “Desviando!” ou
“Arribando!”, para nos indicar uma variação na direção do barco em relação ao
vento. Depois vinha o pedido para que mudássemos de banco a fim de
compensar o peso do vento contra a vela. Foi durante uma dessas manobras que
percebi estar sentada em frente a Mary Ann, que se espremera entre Hannah e a
Sra. Grant. Ela olhava ora para um lado ora para o outro, dividindo sua atenção
entre as duas mulheres mais velhas. Ouvi-a dizer:
— Ele não se eximiu. Também entrou no sorteio das lascas de madeira.
— E você acredita que ele não já sabia qual lasca escolher? — retrucou
Hannah, com cinismo. — Ele controlou tudo. O que teríamos feito ontem sem o
Sr. Nilsson, o Sr. Hoffman e o coronel Marsh? Até o Sr. Preston é mais forte do
que a maioria das mulheres. Perdemos apenas o mais fraco. Acha que é mera
coincidência?
Eu tinha pensado exatamente a mesma coisa no dia anterior, mas em seguida
esquecera por completo.