No coracao do mar - Charlotte Rogan

— Se ele armou alguma coisa — arrisquei me manifestar —, foi com a
intenção de salvar os demais passageiros.
— Nesse caso — cortou Hannah, com voz glacial —, você concorda com
assassinato se for para salvar sua pele?
Eu não sabia o que responder. Não sabia por que de repente Hannah parecia
não gostar de mim, mas a Sra. Grant olhou-me da cabeça aos pés como se me
avaliasse e disse:
— Não se aborreça com Grace, Hannah. Ela ainda nos será útil.
Depois, Mary Ann foi sentar-se ao lado de Greta, a jovem alemã que
venerava a Sra. Grant, e as vi discutir com ar sério e as cabeças unidas. Era
assim que se espalhavam e se nutriam as sementes da desconfiança. Mais tarde
naquele mesmo dia a Sra. Grant questionou Hardie a propósito de seu senso de
direção.
— Estamos navegando em círculos — reclamou ela. — Primeiro vamos num
sentido, depois noutro.
— E o que a senhora sabe sobre isso? — retrucou Hardie, com escárnio.
Tive a confirmação de que ele se machucara durante a tempestade, porque,
quando tirou o colete salva-vidas que o diácono lhe dera, seu braço esquerdo
estava amarrado contra o peito. Mas fiquei contente de vê-lo com a faca na mão,
inspecionando a superfície da água à procura de peixes. Esse era o velho Hardie.
Talvez não estivesse tão fora de forma, afinal.
— Pensei que tivéssemos decidido pegar a direção leste para aproveitar o
vento e a corrente, mas agora, por alguma razão, estamos navegando rumo ao
sul — comentou Hannah.
De fato, o sol começara a mergulhar no horizonte, o que deixava os pontos
cardeais cada vez mais evidentes. Mary Ann começou a se lamentar. Estávamos
todos irritados com aquela conversa, tivesse ela algum sentido ou não.
— E eu queria ver a senhora navegar para dentro do vento — rebateu Hardie.
— Se entendesse alguma coisa do ofício, saberia que é impossível.
— Mas eu pensei que o vento estivesse soprando da América — retrucou
Hannah.
A partir daquele momento Hardie recusou-se teimosamente a falar,
concentrando-se nas muitas pequenas tarefas que o mantinham sempre ocupado;
percebi, no entanto, que ele retificou o rumo e que estávamos de novo voltados
para o que parecia ser a direção leste. A Sra. Grant nos chamou de “meus
queridos”, com o ar sério que lhe era peculiar, e nos garantiu que nem tudo
estava perdido, que, se continuássemos a navegar na direção leste, mais cedo ou
mais tarde chegaríamos à Inglaterra ou à França. A animosidade entre a Sra.
Grant e Hardie estava latente fazia algum tempo já, mas agora eu via que ela
soubera tirar proveito de várias situações desde o primeiro dia, quando se
pronunciara a favor de resgatar a criança. Tinha sido a primeira a sugerir o uso