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No coracao do mar - Charlotte Rogan

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DR. COLE<br />

O Dr. Cole é o psiquiatra que meus advoga<strong>do</strong>s contrataram para avaliar minha<br />

saúde mental. Continuo a vê-lo todas as semanas, ainda que não saiba<br />

exatamente para quê. Estou longe de levá-lo mais a sério <strong>do</strong> que ele mesmo se<br />

leva, mas, como minhas consultas representam uma oportunidade de sair desta<br />

cela, aguar<strong>do</strong>-as com impaciência. Desconfio que o que eu digo não seja<br />

manti<strong>do</strong> em sigilo absoluto, como o Dr. Cole quis me fazer acreditar, e para mim<br />

tornou-se um jogo tentar descobrir o objetivo por trás de suas perguntas e assim<br />

responder de acor<strong>do</strong>. Alguns de seus inúmeros comentários parecem conter a<br />

resposta que ele busca. Por exemplo, ele a<strong>do</strong>ra excla<strong>mar</strong> “Isso deve ter si<strong>do</strong><br />

terrível!”. Nesse caso, claro, sempre concor<strong>do</strong>, dizen<strong>do</strong> que foi horrível mesmo.<br />

Passamos várias semanas antes que eu começasse a suspeitar de que ele tornava<br />

o jogo fácil demais, que até um homem com rosto tão re<strong>do</strong>n<strong>do</strong> e óculos de lentes<br />

grossas devia ter alguma experiência com mulheres. Então pensei que ele se<br />

fazia de bobo para me enganar, mas depois voltei a acreditar que ele não era lá<br />

muito inteligente e perspicaz. Por fim um dia tive a resposta. Percebi que ele<br />

tentava me deixar à vontade, na esperança de que eu acabasse contan<strong>do</strong> algum<br />

detalhe importante que lhe permitiria abrir a porta para o restante de minha<br />

psique. Contei-lhe essa minha suposição e acrescentei:<br />

— Minha alma não é uma fortaleza intransponível, Dr. Cole. Não há tesouros<br />

escondi<strong>do</strong>s nem obscuros segre<strong>do</strong>s enterra<strong>do</strong>s. Se o senhor a<strong>do</strong>tasse um méto<strong>do</strong><br />

de entrevista mais tradicional, eu me esforçaria para responder a suas perguntas<br />

com sinceridade, e tenho certeza de que assim o senhor descobriria tu<strong>do</strong> de que<br />

precisa saber.<br />

— Então a senhora é um livro aberto, pois não?! — exclamou ele.<br />

Aparentemente encanta<strong>do</strong> com a ideia, ele sugeriu que voltássemos ao<br />

capítulo em que trato de meus pais. Contei-lhe sobre tu<strong>do</strong> de ruim que acontecera<br />

com minha família, sem esconder nada. Levei algum tempo para fornecer os<br />

detalhes sobre a falência inesperada de meu pai e o mergulho de minha mãe no<br />

delírio. Eu mal começara a falar sobre minha irmã quan<strong>do</strong> ele consultou o<br />

relógio e desculpou-se:<br />

— Lamento dizer que nosso horário acabou.<br />

Seu tom, no entanto, não revelava a menor tristeza. Tive a impressão de que o<br />

compromisso comigo não passava de mais uma das muitas etapas agradáveis<br />

que compunham seu dia. Tentei imaginar aonde ele iria então e quem veria na<br />

consulta seguinte, mas não quis perguntar, com me<strong>do</strong> de que a tentativa de<br />

despertar curiosidade fizesse parte da armadilha; era melhor manter-me fiel ao<br />

plano de apresentar passo a passo os fatos de minha vida.<br />

O Dr. Cole começou a consulta seguinte com uma afirmação audaciosa:

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