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DR. COLE<br />
O Dr. Cole é o psiquiatra que meus advoga<strong>do</strong>s contrataram para avaliar minha<br />
saúde mental. Continuo a vê-lo todas as semanas, ainda que não saiba<br />
exatamente para quê. Estou longe de levá-lo mais a sério <strong>do</strong> que ele mesmo se<br />
leva, mas, como minhas consultas representam uma oportunidade de sair desta<br />
cela, aguar<strong>do</strong>-as com impaciência. Desconfio que o que eu digo não seja<br />
manti<strong>do</strong> em sigilo absoluto, como o Dr. Cole quis me fazer acreditar, e para mim<br />
tornou-se um jogo tentar descobrir o objetivo por trás de suas perguntas e assim<br />
responder de acor<strong>do</strong>. Alguns de seus inúmeros comentários parecem conter a<br />
resposta que ele busca. Por exemplo, ele a<strong>do</strong>ra excla<strong>mar</strong> “Isso deve ter si<strong>do</strong><br />
terrível!”. Nesse caso, claro, sempre concor<strong>do</strong>, dizen<strong>do</strong> que foi horrível mesmo.<br />
Passamos várias semanas antes que eu começasse a suspeitar de que ele tornava<br />
o jogo fácil demais, que até um homem com rosto tão re<strong>do</strong>n<strong>do</strong> e óculos de lentes<br />
grossas devia ter alguma experiência com mulheres. Então pensei que ele se<br />
fazia de bobo para me enganar, mas depois voltei a acreditar que ele não era lá<br />
muito inteligente e perspicaz. Por fim um dia tive a resposta. Percebi que ele<br />
tentava me deixar à vontade, na esperança de que eu acabasse contan<strong>do</strong> algum<br />
detalhe importante que lhe permitiria abrir a porta para o restante de minha<br />
psique. Contei-lhe essa minha suposição e acrescentei:<br />
— Minha alma não é uma fortaleza intransponível, Dr. Cole. Não há tesouros<br />
escondi<strong>do</strong>s nem obscuros segre<strong>do</strong>s enterra<strong>do</strong>s. Se o senhor a<strong>do</strong>tasse um méto<strong>do</strong><br />
de entrevista mais tradicional, eu me esforçaria para responder a suas perguntas<br />
com sinceridade, e tenho certeza de que assim o senhor descobriria tu<strong>do</strong> de que<br />
precisa saber.<br />
— Então a senhora é um livro aberto, pois não?! — exclamou ele.<br />
Aparentemente encanta<strong>do</strong> com a ideia, ele sugeriu que voltássemos ao<br />
capítulo em que trato de meus pais. Contei-lhe sobre tu<strong>do</strong> de ruim que acontecera<br />
com minha família, sem esconder nada. Levei algum tempo para fornecer os<br />
detalhes sobre a falência inesperada de meu pai e o mergulho de minha mãe no<br />
delírio. Eu mal começara a falar sobre minha irmã quan<strong>do</strong> ele consultou o<br />
relógio e desculpou-se:<br />
— Lamento dizer que nosso horário acabou.<br />
Seu tom, no entanto, não revelava a menor tristeza. Tive a impressão de que o<br />
compromisso comigo não passava de mais uma das muitas etapas agradáveis<br />
que compunham seu dia. Tentei imaginar aonde ele iria então e quem veria na<br />
consulta seguinte, mas não quis perguntar, com me<strong>do</strong> de que a tentativa de<br />
despertar curiosidade fizesse parte da armadilha; era melhor manter-me fiel ao<br />
plano de apresentar passo a passo os fatos de minha vida.<br />
O Dr. Cole começou a consulta seguinte com uma afirmação audaciosa: