No coracao do mar - Charlotte Rogan

E pôs-se a contar uma história inventada, segundo a qual ela tinha visto um
barco salva-vidas quase vazio resgatando pessoas da água. A Sra. Grant insistiu
que também o presenciara, não permitindo que ninguém afirmasse o contrário; e
de repente mudou de assunto, contando que o Sr. e a Sra. Worthington tinham
sido vistos pela última vez fumando cigarros nas espreguiçadeiras do convés.
— Ele gritou “Salvem primeiro as mulheres e as crianças!”, e ela retrucou:
“Nunca entrei em um barco sem meu querido Worthy, certamente não vou
começar a fazer isso agora.”
Mais tarde eu ouviria algo semelhante sobre um casal do Titanic e me
perguntaria se tudo aquilo tinha de fato acontecido ou se a Sra. Grant apenas se
apropriara da história para distrair a Sra. Fleming de suas desgraças.
— Isto é que é amor verdadeiro — comentou Mary Ann, com expressão
sonhadora.
Seu comentário fazia a morte e o horror do naufrágio parecerem românticos e
justificáveis. Henry, afinal de contas, fizera o mesmo por mim, ainda que sem as
palavras nobres e sem o cigarro. Eu tentava esquecer seu olhar de pânico quando
me empurrara para os braços do Sr. Hardie e implorara que me colocasse no
barco. Queria tê-lo beijado no rosto e o feito prometer que pegaria o barco
seguinte, mas ele estava concentrado no que transmitia ao Sr. Hardie, talvez
alguma instrução de última hora que eu estava aterrorizada demais para
assimilar, e por isso não me despedi dele. Preferia imaginá-lo acenando para
mim de uma cadeira do convés e não se debatendo na água escura e gelada à
procura de destroços aos quais pudesse se agarrar. Acima de tudo, no entanto, eu
adorava pensar nele vestido com o terno que usara em nosso casamento, à minha
espera em Nova York. Henry sempre conseguia mesa em um restaurante lotado
ou ingressos para uma ópera. É irônico pensar que ele se valeu do mesmo tipo de
mágica ao reservar nossas passagens para o Empress Alexandra. Com a
proximidade da guerra, muita gente estava ansiosa por voltar para os Estados
Unidos, por isso as passagens de primeira classe estavam escassas. Mas quando
perguntei a Henry como as conseguira, ele respondeu apenas: “Foi um pequeno
milagre. O mesmo tipo de milagre que trouxe você até mim quando eu estava
prestes a me casar com Felicity Close.”
O Sr. Hardie voltou a se manifestar:
— O número de barcos salva-vidas era mais do que suficiente para todos.
Eram vinte barcos, projetados para quarenta pessoas cada.
Mesmo para nossos olhos inexperientes, ficava claro que os barcos não
haviam sido projetados para quarenta passageiros. Ainda assim, era uma ficção
útil, capaz de convencer-me de que Henry sobrevivera, apesar do caos que eu
testemunhara com meus próprios olhos durante os últimos minutos do Empress
Alexandra. Só mais tarde ficamos sabendo que a maioria dos barcos salva-vidas
a estibordo do navio tinha queimado no incêndio e que outros tinham remado