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Objetos cortantes - Gillian Flynn

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* * *<br />

Três caras da minha turma estavam no Sensors quando cheguei lá, caras legais, um dos quais<br />

ficou famoso um tempo por ganhar um prêmio em uma feira estadual por sua porca<br />

obscenamente grande pingando leite. Um estereótipo interiorano que Richard teria adorado.<br />

Trocamos gentilezas: eles me pagaram as duas primeiras rodadas e eles me mostraram<br />

fotografias dos filhos deles, oito no total. Um deles, Jason Turnbough, ainda tinha os cabelos<br />

louros e o rosto redondo de garoto. Língua aparecendo no canto da boca, bochechas rosadas,<br />

olhos azuis redondos se alternando entre meu rosto e meus seios durante a maior parte da<br />

conversa. Ele parou assim que saquei meu gravador e perguntei sobre os assassinatos. Então<br />

aquelas rodas do aparelho girando mereceram toda a sua atenção. As pessoas ficam<br />

fascinadas ao ver seus nomes impressos. Prova de existência. Eu podia imaginar um bando de<br />

fantasmas revirando pilhas de jornais. Apontando para um nome na página. Está vendo, eu<br />

estou aí. Eu lhe disse que vivi. Eu lhe disse que fui alguém.<br />

— Quem teria pensado quando éramos crianças na escola que estaríamos sentados aqui<br />

conversando sobre assassinatos em Wind Gap — comentou, maravilhado, Tommy Ringer, que<br />

se tornara um sujeito de cabelos escuros e barba comprida.<br />

— Eu sei, quero dizer, eu trabalho em um supermercado, por Deus — disse Ron Laird, um<br />

cara gentil de rosto de fuinha com voz ribombante.<br />

Os três transbordavam um equivocado orgulho cívico. A infâmia chegara a Wind Gap, e<br />

eles a receberam. Poderiam continuar a trabalhar no supermercado, na farmácia, na granja.<br />

Quando morressem, isso — assim como se casar e ter filhos — estaria na lista do que haviam<br />

feito. E era algo que acontecera a eles. Não, mais precisamente, era algo que acontecera em<br />

sua cidade. Eu não estava segura sobre a avaliação de Meredith. Algumas pessoas adorariam<br />

que o assassino fosse um sujeito nascido e criado em Wind Gap. Alguém com quem tivessem<br />

pescado um dia, algum colega do grupo de escoteiros. Daria uma história melhor.<br />

Richard abriu a porta, que era surpreendentemente leve para a aparência que tinha.<br />

Qualquer cliente que não fosse frequente usava muita força, então a intervalos breves a porta<br />

batia na lateral do prédio. Servia como uma interessante pontuação à conversa.<br />

Enquanto ele entrava, segurando o paletó sobre o ombro, os três homens grunhiram.<br />

— Esse cara.<br />

— Estou impressionado para cacete, cara.<br />

— Guarde alguns neurônios para o caso, camarada. Vai precisar deles.<br />

Desci do banco, lambi os lábios e sorri.<br />

— Bem, pessoal, tenho que trabalhar. Hora da entrevista. Obrigada pelas bebidas.<br />

— Estaremos aqui quando você se entediar — disse Jason.<br />

Richard apenas sorriu para mim, murmurando idiota por entre os dentes.<br />

Bati com meu terceiro bourbon na mesa, agarrei a garçonete para nos acomodar e, assim<br />

que tínhamos nossas bebidas diante de nós, apoiei o queixo nas mãos e pensei se realmente

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