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Objetos cortantes - Gillian Flynn

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— Minha mãe é amiga de Jackie, e eu pensei…<br />

— Sei quem são os amigos de Jackie, acredite em mim — retrucou Geri.<br />

Ela não parecia inclinada a me deixar entrar. Em vez disso, me olhou de cima a baixo,<br />

depois para o carro atrás de mim.<br />

— Jackie é amiga de muitas das mães de suas amigas — acrescentou Geri.<br />

— Ahnn. Eu na realidade não tenho muitas amigas por aqui hoje em dia — falei. Era um<br />

fato do qual me orgulhava, mas disse as palavras de um modo deliberadamente desapontado.<br />

Quanto menos ressentimento ela tivesse por mim, mais rápido eu entraria ali, e eu sentia uma<br />

necessidade urgente de falar com Jackie antes de desistir. — Na verdade, mesmo quando<br />

morava aqui acho que não tinha realmente tantas amigas.<br />

— Katie Lacey. A mãe dela anda com todas.<br />

A boa e velha Katie Lacey, que me arrastou para a reunião das meninas e se voltou contra<br />

mim. Podia imaginá-la circulando pela cidade naquele utilitário, suas garotinhas bonitas<br />

instaladas atrás, vestidas à perfeição, prontas para mandar nas outras crianças do jardim de<br />

infância. Elas aprenderiam com mamãe a ser particularmente cruéis com as meninas feias,<br />

meninas pobres, meninas que queriam apenas ser deixadas em paz. É pedir demais.<br />

— Katie Lacey é uma garota de quem me envergonho de ter sido amiga.<br />

— É, bem, você era legal — disse Geri.<br />

Naquele instante, lembrei que ela tinha um cavalo chamado Manteiga. A piada, claro, era<br />

que até o animal de Geri engordava.<br />

— Na verdade, não.<br />

Eu nunca participara diretamente de atos de crueldade, mas também nunca os impedira.<br />

Sempre ficara de lado como uma sombra temerosa e fingira rir.<br />

Geri continuou na soleira da porta, esticando no pulso o relógio barato, apertado como um<br />

elástico, claramente perdida nas próprias lembranças. Ruins.<br />

Então, por que ela ficaria em Wind Gap? Eu passara por muitos dos mesmos rostos desde<br />

que voltara. Garotas com as quais eu crescera, que nunca tiveram energia para partir. Aquela<br />

era uma cidade que alimentava o comodismo por meio de TV a cabo e uma loja de<br />

conveniência. Aqueles que permaneciam ali ainda eram tão segregados quanto antes. Garotas<br />

bonitas e mesquinhas como Katie Lacey que, previsivelmente, viviam então em uma casa<br />

vitoriana reformada a poucos quarteirões de nós, jogavam no mesmo clube de tênis de Adora,<br />

faziam a mesma peregrinação trimestral a St. Louis para compras. E as garotas feias<br />

perseguidas como Geri Shilt continuavam a fazer faxina para as bonitas, cabeças abaixadas<br />

tristemente, esperando mais agressão. Mulheres que não eram fortes o bastante ou inteligentes<br />

o bastante para partir. Mulheres sem imaginação. Então permaneciam em Wind Gap e viviam<br />

em uma interminável repetição de sua época de adolescente. E agora eu estava presa com elas,<br />

incapaz de me libertar.<br />

— Vou dizer a Jackie que você está aqui.

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