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Objetos cortantes - Gillian Flynn

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Eu nem sequer me sentia indignada, apenas cansada.<br />

— Por favor, Camille, sei como é tensa a relação entre vocês. Sei como você sempre sentiu<br />

inveja do bem-estar das outras pessoas. É verdade, sabe, você realmente é como a mãe de<br />

Adora. Ela montou guarda nesta casa como uma… bruxa, velha e raivosa. O riso a ofendia. O<br />

único momento em que ela sorriu foi quando você se recusou a mamar em Adora. Recusou a<br />

pegar o peito.<br />

Aquela palavra nos lábios engordurados de Alan me acendeu em dez lugares diferentes.<br />

Chupar, puta, camisinha pegaram fogo.<br />

— E você sabe isso por Adora — arrisquei.<br />

Ele concordou, lábios franzidos beatificamente.<br />

— Assim como você sabe por Adora que eu disse coisas horríveis sobre Marian e as<br />

garotas mortas.<br />

— Exatamente — falou, as sílabas escondidas.<br />

— Adora é uma mentirosa. Se não sabe disso, você é um idiota.<br />

— Adora teve uma vida difícil.<br />

Forcei uma risada. Alan não se abateu.<br />

— A mãe dela costumava entrar em seu quarto no meio da noite e beliscá-la quando<br />

criança — disse ele, olhando com pena para a última sardinha. — Dizia que era por ter medo<br />

de que Adora morresse dormindo. Acho que era apenas porque gostava de machucá-la.<br />

Uma mistura de lembranças: Marian mais abaixo no corredor, em seu pulsante quarto de<br />

inválida, cheio de máquinas. Uma dor penetrante no meu braço. Minha mãe de pé acima de<br />

mim em sua camisola, perguntando se eu estava bem. Beijando o círculo rosado e me<br />

mandando voltar a dormir.<br />

— Apenas acho que deveria saber dessas coisas — continuou Alan. — Poderia fazer com<br />

que você fosse um pouco mais gentil com sua mãe.<br />

Eu não tinha planos de ser mais gentil com minha mãe. Só queria que a conversa<br />

terminasse.<br />

— Vou embora assim que puder.<br />

— Pode ser uma boa ideia caso não consigam se acertar — falou Alan. — Mas talvez se<br />

sinta melhor consigo mesma se tentasse. Poderia ajudá-la a se curar. A cabeça, pelo menos.<br />

Alan agarrou a última sardinha flácida e a sugou inteira. Eu pude imaginar os ossinhos se<br />

partindo enquanto ele mastigava.<br />

* * *<br />

Um copo cheio de gelo e uma garrafa de bourbon roubada da cozinha dos fundos, depois subir<br />

para beber no quarto. O álcool bateu rápido, provavelmente pelo modo como eu estava<br />

bebendo. Minhas orelhas estavam quentes e minha pele parara de queimar. Pensei na palavra<br />

na minha nuca. Sumir. Sumir vai eliminar meu sofrimento, eu pensara estupidamente. Sumir

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