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Meu carro, azul-claro coberto de cocô de passarinho, os assentos de couro certamente<br />
queimando, não me atraiu, então decidi dar uma volta pela cidade. Na Main Street, passei por<br />
um aviário que recebia frangos frescos vindos diretamente dos campos da morte de Arkansas.<br />
O cheiro queimou minhas narinas. Uma dúzia ou mais de aves peladas pendiam lascivamente<br />
na vitrine, algumas penas brancas revestindo a prateleira abaixo.<br />
No final da rua, onde surgira um santuário improvisado para Natalie, vi Amma e suas três<br />
amigas. Estavam mexendo entre os balões e presentes baratos, três montando guarda enquanto<br />
minha meia-irmã roubava duas velas, um buquê de flores e um urso de pelúcia. Tudo menos o<br />
urso foi colocado em sua gigantesca bolsa. Ela segurou o urso enquanto as garotas davam os<br />
braços e deslizavam debochadamente na minha direção. Para cima de mim, na verdade, não<br />
parando até estarem a dois centímetros, enchendo o ar com o tipo de perfume pesado que vem<br />
em amostras grátis em revistas.<br />
— Você nos viu fazendo aquilo? Vai colocar isso na sua matéria de jornal? — guinchou<br />
Amma. Ela definitivamente superara o chilique da casa de bonecas. Essas coisas infantis eram<br />
deixadas em casa. Ela trocara o vestido de verão por minissaia, sandálias de plataforma e um<br />
top tomara que caia. — Se for, coloque meu nome direito: Amity Adora Crellin. Pessoal, esta<br />
é… minha irmã. De Chicago. A bastarda da família.<br />
Amma olhou para mim mexendo as sobrancelhas, e as garotas deram risinhos.<br />
— Camille, estas são minhas adoráááveis amigas, mas você não precisa escrever sobre<br />
elas. Sou a líder.<br />
— Só é a líder por ser a mais barulhenta — disse uma garota pequena de cabelos cor de<br />
mel com voz rouca.<br />
— E por ter os peitos maiores — disse a segunda garota, com cabelos da cor de um sino de<br />
latão.<br />
A terceira, de cabelo louro-avermelhado, agarrou o seio esquerdo de Amma e deu um<br />
apertão.<br />
— Parte real, parte enchimento.<br />
— Vá se foder, Jodes — disparou Amma e, como se disciplinando um gato, deu um tapa em<br />
seu maxilar.<br />
A garota ficou ruborizada e murmurou uma desculpa.<br />
— Seja como for, qual é a sua, mana? — cobrou Amma, baixando os olhos para o urso. —<br />
Por que está escrevendo uma matéria sobre duas garotas mortas que para início de conversa<br />
ninguém notava? Como se estar morta tornasse alguém popular.<br />
Duas das garotas deram risos forçados; a terceira ainda olhava para o chão. Uma lágrima<br />
caiu na calçada.<br />
Reconheci esse papo provocador de garota. Era o equivalente à marcação de território,<br />
mas com palavras. E ainda assim parte de mim gostou do espetáculo. Mas eu estava me