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As enfermeiras nos davam remédios para acalmar nossas peles excitadas. E mais remédios<br />
para aplacar nossos cérebros queimando. Passávamos por revistas íntimas duas vezes por<br />
semana em busca de objetos afiados, e sentávamos em grupos, teoricamente nos purgando de<br />
raiva e ódio a nós mesmas. Aprendemos a culpar. Após um mês de bom comportamento<br />
ganhávamos banhos sedosos e massagens. Aprendíamos a bondade do toque.<br />
A única outra visita foi a da minha mãe, que eu não via há meia década. Cheirava a flores<br />
púrpura e sacudia no pulso uma pulseira com pingentes de amuletos que eu cobiçara na<br />
infância. Quando estávamos sozinhas, ela falou sobre a folhagem e alguma nova lei da cidade<br />
determinando que as luzes de Natal fossem retiradas até quinze de janeiro. Quando meus<br />
médicos se juntaram a nós, ela chorou, me tocou e se preocupou comigo. Acariciou meus<br />
cabelos e se perguntou por que eu teria feito isso a mim mesma.<br />
Depois, inevitavelmente, vieram as histórias de Marian. Ela já perdera uma filha,<br />
entendem? Isso quase a matara. Por que a mais velha (embora necessariamente menos amada)<br />
iria se machucar de forma deliberada? Eu era muito diferente de sua garota perdida, que —<br />
pensem nisso — teria quase trinta anos caso tivesse sobrevivido. Marian abraçara a vida, da<br />
qual havia sido poupada. Senhor, ela absorvera o mundo — lembra, Camille, de como ela ria,<br />
mesmo no hospital?<br />
Odiei lembrar à minha mãe que essa era a natureza de uma menina moribunda e confusa de<br />
dez anos. Por que me dar o trabalho? É impossível competir com os mortos. Eu gostaria de<br />
conseguir parar de tentar.