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Objetos cortantes - Gillian Flynn

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Eu me preparei para gritos, portas batendo, xingamentos, um soco. Bob Nash enfiou as<br />

mãos fundo nos bolsos e balançou nos calcanhares.<br />

— Podemos conversar no quarto.<br />

Ele segurou a porta aberta para mim, e comecei a avançar por entre as coisas na sala de<br />

estar, cestos de roupa suja transbordando com lençóis amassados e camisetas minúsculas.<br />

Depois por um banheiro cuja peça central era um rolo de papel higiênico vazio no chão, e<br />

então por um corredor salpicado de fotos desbotadas sob plástico laminado imundo:<br />

garotinhas louras cercando amorosamente um bebê; um Nash jovem com o braço rígido<br />

envolvendo a esposa, os dois segurando juntos o cabo de uma faca de bolo. Quando cheguei<br />

ao quarto — cortinas e cobertas combinando, uma cômoda arrumada —, percebi por que Nash<br />

escolhera aquele lugar para nossa conversa. Era a única área da casa com algum grau de<br />

civilização, como um posto avançado no limite de uma selva desesperadora.<br />

Nash se sentou em uma beirada da cama e eu na outra. Não havia cadeiras. Poderíamos ser<br />

atores coadjuvantes em um filme pornô amador, exceto que tínhamos cada qual um copo de<br />

refrigerante de cereja que ele pegara para nós. Nash era um homem bem-cuidado: bigode<br />

aparado, cabelos louros rareando contidos com gel, uma camisa polo verde-brilhante para<br />

dentro do jeans. Supus que era ele que mantinha a ordem naquele aposento; tinha a arrumação<br />

despojada de um solteiro fazendo um grande esforço.<br />

Ele não precisou de preliminares para a conversa, e fiquei grata. É como ficar batendo<br />

papo com a pessoa quando ambos sabem que estão prestes a transar.<br />

— Ann passou o verão todo andando de bicicleta — começou, sem precisar de estímulo.<br />

— O verão todo apenas dando a volta no quarteirão. Minha esposa e eu não a deixávamos ir<br />

mais longe. Tinha só nove anos. Somos pais muito protetores. Mas no final, pouco antes de ela<br />

voltar às aulas, minha esposa deixou. Ann estava choramingando, então ela disse que sim, Ann<br />

poderia pedalar até a casa da amiga Emily. Ela nunca chegou lá. Eram oito da noite quando<br />

nos demos conta.<br />

— A que horas ela saiu?<br />

— Por volta de sete. Então, em algum ponto do caminho, naqueles dez quarteirões, eles a<br />

pegaram. Minha esposa nunca vai se perdoar. Nunca.<br />

— O que quer dizer com eles a pegaram?<br />

— Eles, ele, qualquer coisa. O desgraçado. O assassino doentio de bebês. Enquanto minha<br />

família e eu dormimos, enquanto você circula fazendo sua reportagem, há uma pessoa aí<br />

procurando bebês para matar. Porque você e eu sabemos que a filhinha dos Keene não está só<br />

desaparecida.<br />

Ele terminou o resto do refrigerante em um só gole e limpou a boca. As declarações eram<br />

boas, embora estudadas demais. Eu acho isso comum, e tem relação direta com a quantidade<br />

de tempo que a pessoa vê televisão. Pouco tempo antes, eu tinha entrevistado uma mulher cuja<br />

filha de vinte e dois anos acabara de ser assassinada pelo namorado, e ela veio com uma frase

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