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Objetos cortantes - Gillian Flynn

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alguma coisa para si mesma e parecia uma mãezinha. E então aconteceu.<br />

— Natalie ficou muito machucada?<br />

— Ahnn, não muito. Eu e Rae Whitescarver, agora a professora do segundo ano…<br />

Costumava ser Rae Little, alguns anos abaixo de nós… Mas não era pequena. Pelo menos não<br />

na época; agora perdeu alguns quilos. Enfim, eu e Rae puxamos Ann, e Natalie estava com a<br />

agulha se projetando da bochecha menos de três centímetros abaixo do olho. Não chorou nem<br />

nada. Apenas bufava como um cavalo com raiva.<br />

Uma visão de Ann com os cabelos desalinhados, passando a agulha pelo tecido, lembrando<br />

de uma história sobre Natalie e sua tesoura, uma violência que a deixara tão diferente. E antes<br />

de pensar direito, a agulha na carne, mais fácil do que poderia imaginar, acertando o osso em<br />

um golpe rápido. Natalie com o metal se projetando dela, como um pequeno arpão prateado.<br />

— Ann fez isso sem motivo?<br />

— Uma coisa que eu aprendi sobre aquelas duas é que não precisavam de razão para<br />

atacar.<br />

— Outras garotas as provocavam? Elas estavam estressadas?<br />

— Rá rá!<br />

Foi um riso verdadeiramente surpreso, mas saiu em um perfeito e improvável “Rá rá!”.<br />

Como um gato olhando para você e dizendo “Miau”.<br />

— Bem, eu não diria que os dias de aula eram algo pelo que elas ansiavam — disse Katie.<br />

— Mas você deveria perguntar isso à sua irmã.<br />

— Sei que você diz que Amma as perseguia…<br />

— Deus nos ajude quando ela chegar ao ensino médio.<br />

Esperei em silêncio que Katie Lacey Brucker se animasse e falasse sobre minha irmã. Más<br />

notícias, imaginei. Não espanta que tivesse ficado tão feliz em me ver.<br />

— Lembra como comandávamos a Calhoon? O que achávamos legal se tornava legal, todos<br />

odiavam aqueles de quem não gostávamos?<br />

Ela parecia sonhar com um conto de fadas, como se pensasse em uma terra de sorvete e<br />

coelhinhos. Eu apenas concordei. Lembrei-me de um gesto particularmente cruel da minha<br />

parte. Uma garota sincera demais chamada LeeAnn, amiga que me restara do fundamental,<br />

demonstrara demasiada preocupação com meu estado mental, sugerira que eu poderia estar<br />

deprimida. Eu a ignorei explicitamente certo dia quando foi correndo falar comigo antes da<br />

escola. Ainda podia lembrar: livros reunidos sob os braços, aquela estranha saia estampada, a<br />

cabeça levemente abaixada sempre que se dirigia a mim. Dei as costas a ela, bloqueei-a do<br />

grupo de meninas com quem estava, fiz alguma piada sobre roupas conservadoras de igreja.<br />

As garotas pegaram a dica. Ela foi atormentada o resto da semana. Passou os dois últimos<br />

anos de ensino médio almoçando com os professores. Eu poderia ter encerrado isso com uma<br />

palavra, mas não o fiz. Precisava que ela ficasse longe.<br />

— Sua irmã é como nós vezes três. E tem uma grande tendência a ser malvada.<br />

— Tendência a ser malvada como?

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