04.09.2018 Views

Objetos cortantes - Gillian Flynn

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

— E inteligência?<br />

— A inteligência você esconde. Eu tinha muitos amigos, mas não era íntima de nenhum,<br />

sabe?<br />

— Posso imaginar. Era íntima da sua mãe?<br />

— Não exatamente — respondi.<br />

Eu bebera demais; meu rosto parecia fechado e quente.<br />

— Por quê? — perguntou Richard, virando o balanço para me encarar.<br />

— Só acho que algumas mulheres não nascem para ser mães. E algumas mulheres não<br />

nascem para ser filhas.<br />

— Ela alguma vez te machucou?<br />

A pergunta me irritou, particularmente depois da nossa conversa no jantar. Ela não me<br />

machucou? Eu tinha certeza de que algum dia sonharia com uma lembrança dela me<br />

arranhando, mordendo ou beliscando. Eu sentia que isso tinha acontecido. Eu me imaginei<br />

tirando a blusa para mostrar a ele minhas cicatrizes, gritando sim, veja! Condescendente.<br />

— Essa é uma pergunta bizarra, Richard.<br />

— Desculpe, você apenas soou tão… triste. Irritada. Algo assim.<br />

— Essa é a marca de alguém que tem uma relação saudável com os pais.<br />

— Entendi — disse ele, e riu. — Que tal mudar de assunto?<br />

— Sim.<br />

— Certo, vejamos… Conversa leve. Conversa de balanço.<br />

Richard retorceu o rosto, fingindo pensar.<br />

— Certo, então qual é a sua cor preferida, seu sorvete preferido e sua estação preferida?<br />

— Azul, café e inverno.<br />

— Inverno. Ninguém gosta de inverno.<br />

— Escurece cedo, eu gosto.<br />

— Por quê?<br />

Porque significa que o dia terminou. Gosto de riscar os dias no calendário — cento e<br />

cinquenta e um dias riscados e nada realmente horrível aconteceu. Cento e cinquenta e dois e o<br />

mundo não está destruído. Cento e cinquenta e três e eu não destruí ninguém. Cento e cinquenta<br />

e quatro e ninguém realmente me odeia. Às vezes penso que nunca me sentirei segura até poder<br />

contar meus últimos dias em uma das mãos. Mais três dias a suportar até não precisar mais me<br />

preocupar com a vida.<br />

— Gosto da noite.<br />

Estava prestes a dizer mais, não muito mais, porém algo a mais, quando um Camaro<br />

amarelo caindo aos pedaços roncou até parar do outro lado da rua. Amma e suas louras<br />

saltaram da traseira. Ela se inclinou na janela do motorista, o decote provocando o garoto, que<br />

tinha os cabelos compridos louro-escuros oleosos que se espera de alguém que ainda dirige<br />

um Camaro amarelo. As três garotas ficaram paradas atrás dela, quadris projetados, a mais

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!