04.09.2018 Views

Objetos cortantes - Gillian Flynn

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

olhos e vi minha mãe pairando acima da beirada oval da banheira, seus cabelos louros<br />

compridos emoldurando o rosto.<br />

Eu me lancei para cima, cobri os seios, jogando um pouco de água em seu vestido xadrez<br />

rosa.<br />

— Amorzinho, para onde você foi? Fiquei enlouquecida. Eu teria ido te procurar, mas<br />

Amma teve uma noite ruim.<br />

— O que havia de errado com ela?<br />

— Onde você esteve ontem à noite?<br />

— O que havia de errado com Amma, mãe?<br />

Ela esticou a mão na direção do meu rosto e me encolhi. Ela franziu a testa e esticou a mão<br />

novamente, deu um tapinha em minha face, alisou os cabelos molhados para trás. Quando<br />

retirou a mão, olhou espantada para a umidade, como se tivesse arruinado sua pele.<br />

— Tive que cuidar dela — disse simplesmente. Os pelos dos meus braços arrepiaram. —<br />

Está com frio, querida? Seus mamilos estão duros.<br />

Ela tinha na mão um copo de leite azulado, que me deu em silêncio. Ou a bebida me deixa<br />

doente e sei que não estou louca, ou não deixa, e sei que sou uma criatura odiosa. Bebi o<br />

leite enquanto minha mãe cantarolava e passava a língua sobre o lábio inferior, um gesto tão<br />

fervoroso que era quase obsceno.<br />

— Você nunca foi uma menina tão boa quando pequena — disse. — Sempre foi muito<br />

voluntariosa. Talvez seu espírito tenha sido um pouco abalado. De um modo positivo. De um<br />

modo necessário.<br />

Ela saiu e esperei uma hora na banheira alguma coisa acontecer. Estômago roncando,<br />

tontura, uma febre. Fiquei sentada tão imóvel quanto fico no avião, quando temo que um<br />

movimento rápido nos jogue em uma queda vertiginosa. Nada. Amma estava na minha cama<br />

quando abri a porta.<br />

— Você é tão nojenta… — disse, braços cruzados preguiçosamente. — Não acredito que<br />

trepou com um assassino de bebês. Você é tão suja quanto ela falou.<br />

— Não escute mamãe, Amma. Ela não é uma pessoa confiável. E não… — O quê? Aceite<br />

nada dela? Diga o que pensa, Camille. — Não se vire contra mim. Nós nos machucamos<br />

medonhamente rápido nesta família.<br />

— Fale sobre o pau dele, Camille. Era bom?<br />

A voz tinha o mesmo fingimento meloso que ela usara comigo mais cedo, mas não estava<br />

distante: ela se remexia sob os lençóis, os olhos um pouco inquietos, rosto corado.<br />

— Amma, não quero conversar sobre isso com você.<br />

— Você não era tão adulta há algumas noites, irmã. Não somos mais amigas?<br />

— Amma, preciso me deitar agora.<br />

— Noite difícil, hein? Bem, espere; tudo vai ficar pior.<br />

Ela me beijou no rosto, deslizou para fora da cama e saiu fazendo barulho pelo corredor<br />

com suas grandes sandálias de plástico.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!