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gelado de amaretto borbulhante em minha mão, deu dois tapinhas em meu ombro e se sentou<br />
longe de mim, junto de Alan.<br />
— Aquelas garotinhas, Ann Nash e Natalie Keene — comecei. — Estou cobrindo o caso<br />
para o meu jornal.<br />
— Ah, Camille.<br />
Minha mãe me calou, desviando os olhos. Quando algo a incomoda, tem um tique peculiar:<br />
puxa os cílios. Algumas vezes eles caem. Durante alguns anos particularmente difíceis, quando<br />
eu era criança, ela não tinha cílio algum, e seus olhos eram de um rosa viscoso constante,<br />
vulneráveis como coelhos de laboratórios. No inverno, vertiam rios de lágrimas sempre que<br />
ela ficava ao ar livre. O que não era frequente.<br />
— É meu trabalho.<br />
— Por Deus, que trabalho — disse ela, os dedos pairando perto dos olhos. Coçou a pele<br />
logo abaixo e colocou a mão no colo. — Aqueles pais já não estão sofrendo o bastante sem<br />
que você apareça aqui para anotar tudo e anunciar ao mundo? “Wind Gap assassina suas<br />
crianças!”, é isso que você quer que as pessoas pensem?<br />
— Uma garotinha foi assassinada, outra está desaparecida. Meu trabalho é contar às<br />
pessoas, sim.<br />
— Eu conhecia aquelas crianças, Camille. Estou passando por um momento muito difícil,<br />
como pode imaginar. Garotinhas mortas. Quem faria isso?<br />
Tomei um gole do meu drinque. Grãos de açúcar grudaram em minha língua. Eu não estava<br />
pronta para falar com minha mãe. Minha pele vibrava.<br />
— Não vou ficar muito tempo. Sério.<br />
Alan redobrou os punhos do suéter, deslizou a mão pelo vinco da bermuda. Suas<br />
contribuições a nossas conversas geralmente vinham na forma de ajustes: um colarinho<br />
rearrumado, uma perna cruzada novamente.<br />
— Simplesmente não posso ter esse tipo de conversa à minha volta — disse minha mãe. —<br />
Sobre crianças feridas. Não me diga o que está fazendo, não fale sobre qualquer coisa que<br />
saiba. Vou fingir que você está aqui para as férias de verão.<br />
Ela seguiu o vime trançado da cadeira de Alan com a ponta do dedo.<br />
— Como está Amma? — perguntei, para mudar de assunto.<br />
— Amma? — repetiu minha mãe, parecendo alarmada, como se de repente fosse lembrada<br />
de que deixara a filha em algum lugar. — Ela está bem, dormindo lá em cima. Por quê?<br />
Eu sabia pelo som de passos correndo de um lado para outro no segundo andar — do<br />
quarto de brinquedos para a sala de costura e à janela do saguão que tinha a melhor vista para<br />
o alpendre dos fundos — que Amma certamente não estava dormindo, mas não a invejava por<br />
me evitar.<br />
— Só estou sendo educada, mamãe. Fazemos isso no norte também — disse, sorrindo para<br />
mostrar que era apenas provocação, mas ela enfiou o rosto na bebida. Voltou rosado e<br />
decidido.