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Objetos cortantes - Gillian Flynn

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— Ah, vamos, lá, Mille, só uma — choramingou. — Vai se sentir mais leve. Eu estou muito<br />

feliz e bem agora. Você também precisa.<br />

— Estou bem, Amma — falei. Ela me chamar de Mille me levou de volta à Marian. —<br />

Prometo.<br />

Ela se virou e suspirou, parecendo irrecuperavelmente emburrada.<br />

— Vamos lá, Amma, não pode se importar tanto — disse eu, tocando seu ombro.<br />

— Eu me importo.<br />

Eu não podia suportar, estava fraquejando, sentindo aquela perigosa necessidade de<br />

agradar, exatamente como nos velhos tempos. E de fato um não iria me matar.<br />

— Tudo bem, tudo bem, me dê um. Um.<br />

Ela brilhou na hora e se virou de novo para me encarar.<br />

— Estique a língua. Como comunhão. Comunhão de droga.<br />

Estiquei a língua, ela colocou o comprimido na ponta e deu um gritinho.<br />

— Boa menina — disse, e sorriu.<br />

Eu estava ficando cansada daquela frase.<br />

Paramos diante de uma das grandes e velhas mansões vitorianas de Wind Gap, totalmente<br />

reformada e pintada em risíveis tons de azul, rosa e verde que deveriam ser estilosos. Em vez<br />

disso, o lugar parecia a casa de um sorveteiro louco. Um garoto sem camisa vomitava nas<br />

moitas ao lado da casa, dois garotos lutavam no que restava de um jardim florido e um casal<br />

jovem estava se pegando em um balanço de criança. Nolan foi abandonado no carro, ainda<br />

subindo e descendo os dedos pelo acabamento. O motorista, Damon, o trancou para “ninguém<br />

sacanear ele”. Achei um gesto encantador.<br />

Graças à oxicodona, eu estava me sentindo bem corajosa e, enquanto entrávamos na<br />

mansão, me vi procurando rostos de minha juventude: garotos de cabelo raspado e jaquetas de<br />

couro, garotas com permanentes e pesados brincos de ouro. O cheiro de perfume Drakkar Noir<br />

e Giorgio.<br />

Tudo acabado. Os garotos ali eram bebês usando bermudas largas de skatistas e tênis, as<br />

garotas de frente única, minissaias e piercings no umbigo, e todos me olhavam como se eu<br />

fosse uma policial. Não, mas trepei com um hoje à tarde. Eu sorri e balancei a cabeça. Estou<br />

muito animada, pensei, tolamente.<br />

Na cavernosa sala de jantar, a mesa havia sido empurrada para o lado, abrindo espaço para<br />

dança e geladeiras. Amma entrou no círculo, se esfregou em um garoto até a nuca dele ficar<br />

vermelha. Sussurrou no ouvido dele e, com sua concordância, abriu uma geladeira e tirou<br />

quatro cervejas, que segurou sobre o peito molhado, fingindo ter dificuldade para equilibrálas<br />

enquanto se esgueirava por um grupo de garotos que apreciava a cena.<br />

As garotas apreciavam menos. Eu podia ver os comentários disparando pela festa como<br />

uma fileira de rojões. Mas as lourinhas tinham duas coisas a seu favor. Primeiro, estavam com<br />

o traficante local, o que certamente dava algum poder. Segundo, eram mais bonitas que quase<br />

todas as outras mulheres ali, o que significava que os garotos se recusariam a mandá-las

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