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Objetos cortantes - Gillian Flynn

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— Eu lhe trouxe um hidratante.<br />

Caminhei até a porta meio vacilante, a vodca criando um escudo necessário para lidar com<br />

aquele lugar específico naquele dia específico. Eu deixara meus problemas com o álcool para<br />

trás havia seis meses, mas nada contava ali. Minha mãe ficara do lado de fora da porta,<br />

espiando cautelosamente, como se aquela fosse a sala de troféus de uma criança morta. Perto.<br />

Segurava um grande tubo verde-claro.<br />

— Tem vitamina E. Comprei hoje de manhã.<br />

Minha mãe acredita nos efeitos paliativos da vitamina E, como se passar o suficiente fosse<br />

me deixar novamente lisa e impecável. Ainda não funcionou.<br />

— Obrigada.<br />

Os olhos dela examinaram pescoço, braços, pernas, tudo exposto pela camiseta que eu<br />

colocara para dormir. Depois retornaram ao meu rosto. Ela suspirou e balançou a cabeça<br />

levemente. Depois apenas ficou ali.<br />

— O velório foi muito difícil para você, mamãe?<br />

Mesmo então eu não conseguia resistir a fazer uma pequena oferta de diálogo.<br />

— Foi. Muita coisa parecida. Aquele caixão pequeno.<br />

— Também foi difícil para mim — continuei. — Na verdade, fiquei surpresa com quão<br />

difícil foi. Sinto falta dela. Ainda. Isso não é estranho?<br />

— Seria estranho se não sentisse. Ela é sua irmã. É quase tão doloroso quanto perder um<br />

filho. Embora você fosse muito nova — disse. Embaixo, Alan assoviava elaboradamente, mas<br />

minha mãe parecia não ouvir. — Não gostei muito daquela carta aberta que Jeannie Keene leu.<br />

É um velório, não um comício. E por que eles estavam usando roupas tão informais?<br />

— Achei a carta simpática. Foi comovente — falei. — Você não leu nada no velório de<br />

Marian?<br />

— Não, não. Mal conseguia ficar de pé, muito menos fazer discursos. Não consigo<br />

acreditar que você não consiga se lembrar dessas coisas, Camille. Acho que deveria ficar<br />

envergonhada por ter esquecido tanto.<br />

— Eu só tinha treze anos quando ela morreu, mamãe. Lembre-se, eu era jovem.<br />

Quase vinte anos antes, era isso mesmo?<br />

— É, bem… Chega. Há algo que gostaria de fazer hoje? As rosas estão abertas no Daly<br />

Park, caso queira dar uma caminhada.<br />

— Tenho que ir à delegacia.<br />

— Não diga isso enquanto estiver aqui — cortou ela. — Diga que tem obrigações ou<br />

amigos para ver.<br />

— Eu tenho obrigações.<br />

— Certo. Divirta-se.<br />

Ela seguiu pelo corredor luxuoso, e ouvi as escadas rangerem rapidamente.<br />

Tomei um banho rápido, a água rasa, luzes apagadas, outra dose de vodca na banheira,<br />

depois me vesti e saí para o corredor. A casa estava silenciosa, tão silenciosa quanto sua

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