Onofre Lopes Júnior - Fundação Jose Augusto
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Viagem ao universo de Marcelus Bob<br />
- A cabeça de artista é algo muito perigoso – disse ele,<br />
tirando os óculos do rosto e fi tando o tempo que se<br />
arrastava preguiçosamente naquela manhã.<br />
- Por quê? – questionei, procurando entender o que<br />
residia no íntimo daquela tirada fi losófi ca.<br />
- A arte é imprevisível! A arte é Deus!<br />
- Se é Deus, pode tudo?<br />
- Pode tudo, sim, ela é absolutamente livre.<br />
O diálogo reproduz a dimensão da essência do que<br />
Marcelus Bob é enquanto artista. Um transgressor. Numa<br />
das salas daquela mesma Pinacoteca há um quadro seu.<br />
A cena retratada em óleo sobre tela é algo só concebível<br />
na imaginação livre do artista: uma freira joga baralho no<br />
boteco. Seu parceiro é um homem vestido de paletó, com<br />
gravata e chapéu. Na parede do estabelecimento, o relógio<br />
marca 2h35 da madrugada. Em cima da mesa, além das<br />
cartas, copos e garrafa de pinga. Ao fundo, o dono do<br />
bar, um “humanóide encapuzado”, como o artista batizou<br />
estas fi guras que aparecem em muitos de seus trabalhos e<br />
se tornaram, como ele mesmo frisa, sua marca registrada<br />
(assim como a de Vatenor são os cajus e a de Assis<br />
Marinho, os pescadores).<br />
- Como você classifi ca seu estilo?<br />
- Possibilista – respondeu, com objetividade.<br />
- E quais as infl uências que você recebeu?<br />
- De todos os pintores que pude conhecer.<br />
- Mas quem exerceu maior infl uência sobre sua pintura?<br />
- Nunca tinha pensando nisso – disse, depois de uma<br />
pausa. Nova pausa e acrescentou: - Acho que Van Gogh,<br />
pelo desprendimento, soltura, genialidade e extravagância<br />
da sua arte.<br />
- Em matéria de extravagância, há o surrealismo de<br />
Salvador Dali com o qual você deve se identifi car muito<br />
bem, não é?<br />
- É... Salvador Dali entendia de perspectivas. Antônio<br />
Marques (marchand e idealizador de uma feira de<br />
antigüidades) me disse uma vez que, tecnicamente<br />
falando, me considerava um grande artista porque eu<br />
também entendia de perspectivas.<br />
10 Julho 2004<br />
Possibilidades e Perspectivas.<br />
Estas parecem ser as<br />
ferramentas que Marcelus<br />
Bob explora para construir<br />
sua arte sem fronteiras.<br />
Cem por cento autodidata,<br />
ele cresceu num ambiente<br />
familiar propício à carreira<br />
que escolheu. A avó gostava<br />
de ouvir música clássica.<br />
A mãe era vocalista de um<br />
coral da igreja. O pai fazia<br />
esculturas em madeiras,<br />
depois de ter sido repentista<br />
no Vale do Açu (José Pedro<br />
de Farias Filho acabou sendo<br />
homenageado ainda em vida,<br />
emprestando seu nome para<br />
uma rua do Conjunto Nova<br />
Natal, na Zona Norte, onde<br />
mora: rua Artesão Farias).<br />
Nascido em Natal, Marcelus<br />
Bob cresceu no Paço da<br />
Pátria, “debaixo da Pedra<br />
do Rosário”, às margens do<br />
Rio Potengi. Dali, mudouse<br />
ainda criança para<br />
Mãe Luíza. Recebeu uma<br />
educação rígida, reconhece,<br />
mas sempre encontrou apoio<br />
na família para seguir seu<br />
destino profi ssional. Uma<br />
das causas do atrito com o<br />
pai, crente da Assembléia<br />
de Deus, foi a cabeleira que<br />
desde muito tempo cobre os<br />
ombros. Mas as discussões só<br />
aconteceram na juventude,<br />
esclarece, pois hoje já é aceito<br />
com o manequim que gosta<br />
de exibir.