Onofre Lopes Júnior - Fundação Jose Augusto

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Ensaio fotográfi co de Teotônio Roque Roda, meu pião das raças, para dublar as minhas fantasias na frente dos outros. Gira por, apenas, girar, sem doleiro para globalizar sua índole plural e plebéia. Roda como boi-de-rei, como gente em coco-de-roda. Roda no beyblade dos tempos de hoje, mas não me deixe parar sem seu nome na minha memória: pião. 28 Julho 2004
Por acaso Hudson Paulo Costa (Professor e escritor) Ilustração: Guaraci Gabriel sensação das coisas próximas, longe, ou as que não se A encontram em nenhuma referência de tempo e lugar, esta sensação do que está para acontecer, nem sempre é possível captá-la numa coerência traduzível em palavras. Ela fi ca perdurando longamente... Imaginei o dia como se não fosse dia, mas uma noite sempre antepondo-se aos raios do sol prestes a cobrir o movimento dos cílios de um camelo procurando sua rota no deserto. Na clínica, ao entardecer, atendi a minha última paciente naquele dia. Dizia-me de suas obsessões, dos problemas que tomaram conta de sua vida em vez de sua vida ter tomado conta dos problemas. Estudava como resolver mais um caso de neurose. Detiveme numa teia de aranha esquecida no alto da parede da sala onde estava um quadro com a imagem de Dante. Ele olhava-me como a me esperar no inferno. A aranha e o rosto de Dante ocuparam-me por alguns instantes em dissonantes impressões que alertavam-me para alguma coisa prestes a acontecer. Poderia ser algum criminoso procurando pela próxima vítima, uma mão buscando sôfrega outra mão para poder traí-la... Naquela tarde decidi sair do consultório mais cedo e procurar alguém com quem conversar. Qualquer pessoa que tivesse apenas a capacidade de ouvir. Vi uma senhora caminhando com uma criança nos braços e dela aproximei- me para perguntar por um endereço imaginário. Quando ela disse-me não saber, esbocei o início de uma conversa. A criança em seus braços olhou-me detidamente. Pedi permissão para segurá-la por um instante. Perguntei a sua idade. A mãe continuou em silêncio, mas a criança com uma voz grave e profunda respondeu escandindo cada sílaba: - “A idade de sua ignorância. A idade da solidão de todos os homens. Todas as idades”. Você pode imaginar como eu fi quei? Parecia ser uma brincadeira de ventríloquo, uma magia, um truque. Devolvi rapidamente a criança à mãe. A criança continuou a falar palavras sábias, milenares, tocando-me profundamente. Havia uma força estranha naquela voz, um mistério fl uindo, o espírito de um mago. As pessoas passavam bem próximas a nós, mas não ouviam. Por que apenas eu a ouvia? Seria um privilégio ou eu estaria fi cando louco? Perguntei como se explicaria aquela situação. Aquilo era um fenômeno e ela poderia ganhar milhões levando a criança para as emissoras de televisão de todo o mundo. A mãe continuou em silêncio. A criança olhando-me com um ar um tanto agressivo disse-me: - “Resolvi falar apenas a você porque quero lhe demonstrar o quanto você nada sabe. Você pensa ter devolvido a sanidade mental a muitos desajustados. Você os fez mais loucos ainda. Lembra-se do caso daquela menina que deixou a faculdade de Direito para tocar fl auta? A família entregou-a como um caso de anomalia. E o que você fez? Tratou-a com a sua técnica para torná-la mais uma a azeitar a máquina enferrujada dessa sociedade decadente. Todos pensam saber, mas ninguém sabe. Ninguém vai acreditar que você ouviu de uma criança como eu o que estou lhe dizendo agora. O saber está entre vocês na dimensão do aqui e agora. Mas o que não está nesta dimensão, onde está? Responda-me. Não preciso dizer que todo saber é limitado. Vocês construíram uma sociedade em que tudo que não se traduz em dinheiro não tem valor. Vocês vão pagar muito caro por isto. O tempo não tem pressa. Você me viu e não me viu”. A criança dirigiu um olhar para a mãe e ela saiu caminhando naturalmente pela calçada. Confi denciei rapidamente o fato a minha família, amigos e colegas da clínica. Dei entrevistas no rádio e na televisão. Fizeram o retrato falado da mãe e do fi lho e publicaram a matéria em todos os jornais da cidade. Aos poucos fui perdendo a minha clientela. Aconselharamme a um tratamento, um repouso, uma viagem, qualquer coisa que me fi zesse esquecer o episódio. Hoje vendo frutas e verduras nas feiras livres da cidade. Julho 2004 29
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