Onofre Lopes Júnior - Fundação Jose Augusto
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São Miguel - celeiro de raras tradições culturais<br />
Música e fé para vencer a dor<br />
O professor Manuel Bezerra Gurgel, 80 anos, está longe<br />
de ter a vida sedentária de um aposentado no interior. A<br />
casa ampla e bem arejada na Rua Coronel Nunes, centro<br />
de São Miguel, é um convite ao descanso, mas Gurgel,<br />
sabiamente, prefere continuar trabalhando. Decidiu aos<br />
69 anos, idade em que a maioria já está de pernas para o<br />
ar, fundar o Coral São Miguel Arcanjo, contribuindo para<br />
a educação de 32 jovens entre 15 e 20 anos e preservando<br />
a tradição dos cânticos em latim.<br />
A voz grave e a ótima entonação não deixam dúvidas sobre<br />
a vitalidade do fundador e regente do Coral São Miguel<br />
Arcanjo. Natural de Portalegre, Gurgel chegou a São<br />
Miguel em 1950. Naquela época, já tinha a experiência de<br />
ter ensinado música no Seminário de Santa Terezinha, em<br />
Mossoró. “Quando Dom Jaime foi embora para Belém<br />
fi quei ensinando música no seminário. Passei a ser aluno<br />
e professor.”<br />
Os sete anos de educação religiosa envolveram estudos<br />
de latim, francês, italiano e grego. O professor chegou a<br />
São Miguel como funcionário da agência municipal do<br />
IBGE, mas sem esquecer o envolvimento com a religião.<br />
Tão logo conheceu o padre José Aires, pároco da época,<br />
iniciou a formação de um coral de música sacra formado<br />
somente por moças. “Eram 12 moças e só cantavam<br />
música sacra.”<br />
O antigo coral enriquecia as celebrações na igreja de<br />
São Miguel, mas não durou muito tempo. “O vigário<br />
foi transferido para Apodi, eu casei e o coral terminou<br />
desaparecendo. Somente em 93 fundei o outro”. Gurgel<br />
52 Julho 2004<br />
iniciou uma nova vida ao<br />
lado da micaelense Maria do<br />
Socorro, sua esposa há 52 anos,<br />
mas sem abandonar a idéia de<br />
voltar a ser um dia regente de<br />
coral.<br />
Foram necessários 40 anos<br />
até Gurgel fundar o Coral de<br />
São Miguel Arcanjo. O coral<br />
de música sacra e popular faz<br />
apresentações mensais desde<br />
outubro de 1993. A idéia de<br />
criar o grupo partiu do padre<br />
José Caldera, italiano de Trento<br />
e pároco de São Miguel durante<br />
15 anos. O maestro José Sidney<br />
Rufi no, fi lho do músico Pedro<br />
Rufi no da Silva, também<br />
ajudou na formação do coral.<br />
O professor aliou música e fé para vencer a dor de perder<br />
o fi lho Theonagi Pinheiro Gurgel, falecido em 1993,<br />
com 34 anos. “Estava muito arrasado”, diz. O padre José<br />
Caldera, o Zezinho, motivou Gurgel a retomar a carreira<br />
musical. A iniciativa foi bem aceita pela comunidade e o<br />
coral já nasceu forte. Dez anos após sua formação, o Coral<br />
de São Miguel Arcanjo é uma referência no alto oeste<br />
potiguar para quem deseja formar um grupo de vozes.<br />
O coral canta em latim, francês, italiano e até uma canção<br />
bem curtinha em alemão. Os ensaios semanais acontecem<br />
no salão do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. O grupo<br />
fez várias apresentações no santuário do Lima, em Patu, e<br />
já esteve algumas vezes em Mossoró e outros municípios<br />
do oeste potiguar. Para celebrar os 80 anos do regente, o<br />
coral tinha programado uma apresentação em Fortaleza.<br />
O regente admite as difi culdades em manter os coralistas<br />
dedicados ao trabalho. “A rapaziada é muito displicente.<br />
É uma luta fazer o pessoal participar”. Acostumado ao<br />
ensino rigoroso e exemplar dos seminários de antigamente,<br />
Gurgel acompanhou a decadência do ensino público e<br />
acha até que a cultura de São Miguel poderia ser mais<br />
bem trabalhada. “O ensino do interior é fraco e a cultura<br />
é pouco desenvolvida”. O regente e professor, tão jovem<br />
de espírito, ainda tem muito a ensinar.