Onofre Lopes Júnior - Fundação Jose Augusto
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São Miguel - celeiro de raras tradições culturais<br />
Uma dança rica em detalhes<br />
O tempo costuma ser voraz com as danças folclóricas.<br />
Poucas resistem às transformações sociais e mudanças de<br />
gerações. A dança de São Gonçalo, presente nos arredores<br />
de São Miguel desde o início do século XX, a exemplo da<br />
dança do espontão, comandada pelos Negros do Rosário<br />
de Caicó há mais de dois séculos, consegue driblar o<br />
destino e segue presenteando o povo micaelense com a<br />
riqueza desta manifestação folclórica.<br />
O pesquisador e folclorista Deífi lo Gurgel, autor do livro<br />
“Danças Folclóricas do Rio Grande do Norte”, foi um<br />
dos primeiros a documentar a existência da dança em São<br />
Miguel. “Sabemos da existência de dois grupos de São<br />
Gonçalo, no Estado, o primeiro próximo a Portalegre, na<br />
serra do mesmo nome, no sítio Pegas; o segundo, próximo<br />
a São Miguel, igualmente no alto oeste potiguar”.<br />
José Benone Nogueira, 59 anos, mora no Sítio Crioulas,<br />
na divisa entre São Miguel e Pereiro (CE). O “cearensepotiguar”<br />
é tirador da dança de São Gonçalo desde o início<br />
da década de 60, quando diz ter aprendido a comandar a<br />
homenagem ao santo com Chico Vicente, um tocador de<br />
viola natural de Jaguaribe, no Ceará. “É uma tradição que<br />
vem do tempo dos meus avós”.<br />
A dança é uma forma de pagar promessas feitas a São<br />
Gonçalo, o santo violeiro. O pagador da promessa<br />
convida o tirador da dança para comandar as doze<br />
jornadas em homenagem ao santo. O grupo é formado<br />
por doze dançadeiras, um tocador de tambor e o tirador<br />
da dança acompanhado de uma viola. As cantigas são<br />
entoadas pelo violeiro e repetidas pelas dançadeiras.<br />
O período da dança “começa de setembro e outubro<br />
pra frente”. José Benone junta as dançadeiras e leva a<br />
homenagem a São Gonçalo a vários municípios do alto<br />
oeste e também ao Ceará. Maria do Céu Nogueira, 23<br />
anos, fi lha de José Benone, já participa da dança. “Tiro<br />
dança no Baixio de Nazaré (município de Coronel João<br />
Pessoa), São Miguel, Vale do Jaguaribe, Encanto, Pau dos<br />
Ferros e por todo lugar nesta serra”.<br />
62 Julho 2004<br />
“Bendita e louvado seja<br />
com quem São Gonçalo se pega<br />
é de ser valido,<br />
o pouco que faça<br />
fi ca bem servido<br />
Tô com a dança formada<br />
nas horas de Deus, amém.<br />
Ainda não está bem formada<br />
que ainda faltam os parabéns.<br />
Em louvor a São Gonçalo<br />
e a Jesus Cristo também”.<br />
As doze dançadeiras, sempre<br />
vestidas de branco, formam duas<br />
fi las e apresentam doze coreografi as<br />
diferentes. Os bailados chamados<br />
de Trancelim, Trancelim de Cruz,<br />
Trancelim de Quatro, Dança da<br />
Cobrinha e outros são executados de<br />
frente a um altar com a imagem de<br />
São Gonçalo.<br />
A tradição da dança é rica em detalhes.<br />
As dançadeiras são identifi cadas com<br />
fi tas nas cores encarnada (mulher<br />
casada), amarela (donzela), verde<br />
(solteira) e azul (viúva). “Até meio-dia<br />
as fi tas fi cam amarradas na cintura,<br />
depois atravessadas no peito”, explica<br />
o tirador da dança.<br />
O tirador da dança, também vestido de branco, usa uma<br />
boina com as fi tas das quatro cores. José Benone explica<br />
que não é necessário ter dançadeiras representando<br />
as quatro cores para executar a dança. As “tiradas das<br />
jornadas” levam um dia inteiro, sempre um sábado. A<br />
tradição manda erguer uma barraca feita de palha para<br />
proteger o altar com o santo.<br />
“A pessoa se pega com São Gonçalo para fazer uma dança.<br />
Aí chama a gente. Na sexta faz o ensaio e só tira no<br />
sábado. Dança onze jornadas começando às 7 da manhã.<br />
Fica uma, que a gente tira por R$ 150,00. É o ajuste da<br />
dança. Por fora tem as jornadas pedidas, este ganho é das<br />
dançadeiras”.