Onofre Lopes Júnior - Fundação Jose Augusto
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Entrevista: <strong>Onofre</strong> <strong>Lopes</strong> <strong>Júnior</strong><br />
cirúrgico era o fi o que a velha Luiza Matrona comprava<br />
no armarinho de Carlos Lamas. Ela comprava linha zero,<br />
linha vinte, linha quarenta e linha sessenta. Aquilo ali era<br />
o nosso fi o cirúrgico.<br />
Preá – Foram tempos heróicos aqueles.<br />
<strong>Onofre</strong> <strong>Lopes</strong> Jr. – Sim. Certas histórias daquela<br />
época eu ainda posso contar porque existem testemunhas<br />
vivas; sem isso eu não me arriscaria a contar, porque é<br />
meio problemático. Natal há 40 anos era uma cidade<br />
favelada, 80% da população era analfabeta e morava<br />
em casa de palha, alguns poucos moravam em casa de<br />
taipa. A mortalidade infantil era uma coisa horrorosa,<br />
chegava a quase 250 crianças mortas por mil que<br />
nasciam, competindo com o campeão mundial, que era<br />
Zâmbia, com 256. Havia uma miserabilidade que não<br />
havia tamanho. No hospital, determinados pacientes, em<br />
algumas cirurgias, podiam ter direito, durante a cirurgia,<br />
a tomar soro, terminada a cirurgia, se vire. Então um<br />
colega nosso, que ainda está vivo, graças a Deus, ele pode<br />
testemunhar isso, Abrão Marques, ele em desespero de<br />
causa, uma vez usou num paciente em vez de soro, água<br />
de coco. Certa vez, numa anastomose arterial, como<br />
não se podia fazer com linha de costureira, e o hospital<br />
não tinha como fazer, o cirurgião levou uma circulante,<br />
Livramento, para o lavabo, lavou e depois cortou os<br />
cabelos dela, voltou para a sala de cirurgia e fez a sutura<br />
da artéria com os fi os de cabelo e salvou o braço da<br />
mulher. Eudes Moura fez isso e deu certo. Fazíamos uma<br />
transfusão, quando acabava, lavávamos o equipo de soro e<br />
botava para secar no sol, depois esterilizava. Depois de “n”<br />
esterilizações, aquela borracha fi cava puída e começava a<br />
vazar. Quando a quantidade de soro que caia no chão era<br />
maior do que a que entrava na veia do doente, aquele<br />
equipo não servia mais para isso, mas não ia para o lixo<br />
não, era cortado em pedacinhos para servir de garrote<br />
para se aplicar injeção na veia.<br />
Preá – Como foi a sua participação no Projeto Hope?<br />
<strong>Onofre</strong> <strong>Lopes</strong> Jr. – Foi a maior realização de minha<br />
vida. Fui o Coordenador Geral. Tive de mexer com<br />
7 ministérios para fazer a coisa funcionar. Assisti de<br />
camarote ao choque de duas civilizações. Entre mortos e<br />
feridos salvaram-se todos.<br />
74 Julho 2004