Onofre Lopes Júnior - Fundação Jose Augusto
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- Ah, tenho... Tenho sim, e eu um dia desse sonhei<br />
...– Gilda arregalou os olhos ao falar –... Que se você não<br />
parasse de falar bobagens agora, a sua data de morte seria<br />
antecipada da quinta para hoje! Mais especifi camente<br />
agora! Então pára de criancices e durma! – Gritou Gilda<br />
num acesso de raiva.<br />
Cerca de duas horas depois, naquela madrugada, Gilda<br />
tem seu sono interrompido por Breno:<br />
- Gilda, acorda... – disse ele baixinho.<br />
- O que foi?<br />
- Você pode me especifi car, assim, quem foi que lhe<br />
falou que você ia me matar hoje se eu não parasse de<br />
falar bobagens? É que eu fi quei preocupado... – ela não<br />
acreditando no que estava ouvindo, falou: – A fada<br />
Sininho. Agora dorme!<br />
Breno fi cou o resto da noite preocupado, pensando quem<br />
teria razão, Merlin (o horóscopo) , ou Sininho. Concluiu<br />
que Merlin, pois era bem mais poderoso, e que alguém<br />
com uma barba grande e branca daquelas só poderia ter<br />
razão.Virou-se para o outro lado, tentando dormir, mas<br />
sem tirar a morte dele, com dia marcado para quinta, da<br />
mente.<br />
- Sabe, Breno, eu acho que você deveria tirar umas férias.<br />
- Por quê?<br />
- Para descansar. Desde quando você acredita em seus<br />
sonhos? E fi ca preocupado! Ô, homem, deixe disso...<br />
- Eu vou mais do que tirar férias. Eu vou me demitir!<br />
- Hã?<br />
- Isso mesmo! Eu vou morrer mesmo! Ligue para o meu<br />
patrão, quero falar com ele.<br />
- Eu não vou ser cúmplice dessa loucura.<br />
- Eu mesmo ligo. Alô? Seu Freitas? Olá! Aqui é Breno<br />
Cabral, eu queria dizer que eu me demito, que o senhor<br />
tem cara de piolho, e que sua mulher é uma vagabunda<br />
que deu em cima de mim na festa de confraternização da<br />
empresa! Tenha um bom-dia!<br />
- Agora chega, Breno, vou chamar uma ambulância para<br />
te levar!<br />
- Ah, não! Estou gostando de fazer isso! Vou chutar o<br />
balde antes de morrer! Fazer tudo que eu queria ter feito!<br />
-Você anda assistindo fi lmes demais! A pipoca do cinema<br />
ao invés de descer subiu e se instalou em seu cérebro! Seu,<br />
seu cabeça de pipoca!<br />
Breno saiu do apartamento certo de que no dia seguinte<br />
morreria. Viu seu senhorio no corredor, e deu um<br />
empurrão nele.<br />
- Eu queria dizer para o senhor ir comer cocô! Mas eu<br />
nunca disse porque eu precisava do apartamento, mas<br />
agora que eu vou morrer eu digo: Vá comer cocô!<br />
- Eu te pego, seu desgraçado!- disse o senhorio<br />
enfurecido.<br />
Breno saiu correndo, descendo as escadas e deu de cara<br />
com o corredor do terceiro andar. Lá viu a voluptuosa<br />
Rita, que parecia querer economizar muito nos tecidos<br />
para fazer suas roupas. Ele não demorou muito para meter<br />
violentamente a mão numa das nádegas da moça.<br />
- Que se dane se seu marido é leão-de-chácara! – disse<br />
balançando o traseiro dela – Que se dane!<br />
Rita começou a gritar e Breno retirou-se rapidamente<br />
do corredor, ao ver que todos os vizinhos saíam de suas<br />
portas, curiosos com os gritos.<br />
Ao chegar no segundo andar, deparou-se com um<br />
adolescente que tocava muito mal um saxofone à hora<br />
que desejasse, inclusive à noite. Pegou o instrumento e<br />
jogou pela janela, na piscina, o menino fez uma cara de<br />
quem acabara de abrir a geladeira e encontrara um rato<br />
morto dentro.<br />
- Não corre não, seu otário! Eu te pego!<br />
Breno não deu atenção às ameaças do saxofonista e desceu<br />
correndo em direção à rua, e nesta, gritou com o cachorro<br />
que latia para ele todas as manhãs, deu um tapa na cara<br />
do homem que roubava seu jornal de vez em quando,<br />
gritou para uma senhora que passava pela rua que ela não<br />
tinha mais idade para pintar o cabelo de ruivo, e que o<br />
namorado mais jovem dela estava querendo dar o golpe<br />
do baú, entrou numa loja e quebrou todos os vidros de<br />
azeitonas pretas que ele viu pela frente, pois simplesmente<br />
odiava azeitonas pretas, e não queria que ninguém mais<br />
gostasse, simplesmente porque não queria, e ao chegar na<br />
parte dos temperos bebeu vinagre. Morria de vontade de<br />
beber uma garrafa inteira de vinagre, e não entendia por<br />
que sempre usavam tão pouquinho de cada vez. Queria<br />
muito, bebeu não apenas uma, mas duas garrafas inteiras<br />
de vinagre. Então saiu à rua, e começou a ver tudo turvo.<br />
- O que danado é isso? – perguntou a si mesmo. Caiu<br />
como jaca madura no chão. – Foi o vinagre! – exclamou.<br />
Antes que pudesse se levantar, um caminhão o atropelou.<br />
É isso mesmo, ele morreu. Mas não na quinta-feira,<br />
como o seu horóscopo dissera. Foi na quarta. Essas coisas<br />
esotéricas às vezes falham mesmo.<br />
Julho 2004<br />
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