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Onofre Lopes Júnior - Fundação Jose Augusto

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Leontino Filho<br />

gentes/mentes multifacetadas que perambulam nas vias do<br />

presente. Melhor ainda: saber – coisa tão sutil e complexa<br />

– articular, através da palavra poética, o empírico no qual<br />

estamos imersos, posto que, mesmo a gente sendo capaz<br />

de um distanciamento crítico, como pretendia o poeta<br />

Fernando Pessoa, não podemos nos esquivar dos discursos<br />

que proferimos, das representações que fazemos das coisas<br />

e sobretudo das de que somos objeto. Enfi m, para não<br />

se arrastar muito o que tanto a crítica tem buscado: o<br />

isomorfi smo entre vida social e expressão estética.<br />

Ora essa! Tudo o aí dito só poderia sustentar-se por meio<br />

de um discurso, no mínimo, diferenciado da prática<br />

poética démodé e em voga nas terras brasileiras, cuja<br />

palatabilidade ao poético nem sempre é condizente com<br />

as formas de agir e sentir atuais. Era só o que faltava! Uma<br />

sociedade que detém em seu éthos apenas alguns vestígios<br />

do rural, visto que alguns teimam em se ligar ilusoriamente<br />

ao “torrão natal”, na qual pipocam fenômenos e gentes já<br />

com visão cosmopolita, gostos sofi sticados no vestir e no<br />

comportar-se, sexualidades cambiantes, cosmopolitismo<br />

expresso na indumentária e no comportamento, etc,<br />

mesmo que sejam uns poucos, permanecer atado a uma<br />

ruma de besteiras sobre formas de amar ou de representála<br />

é, antes de qualquer coisa, ridículo. A arte, como<br />

todo mundo sabe de cor e salteado, ao longo da história,<br />

sempre salpicou, nos cacos encontrados nos monturos<br />

das vivências, individuais ou sociais, faces amplamente<br />

complexas e ambivalentes do real.<br />

Falava mesmo de quê eu? Sim, de forma. O poeta Leontino<br />

Filho não utiliza em seus versos a capitular maiúscula<br />

nem tampouco o ponto fi nal, sugerindo uma dicção<br />

solta, moldada num ritmo bem particular. A sugestão<br />

que nos imprime é de certa liberdade de pensar, de sentir<br />

o seu desejo pelo objeto amado, sem censuras. De outra<br />

parte, o discurso poético de Leontino se instaura num<br />

registro lírico amoroso de natureza muitas vezes erótica,<br />

manifestando-se através de blocos alinhados, como sendo<br />

espécies de monólitos, gramaticalmente plasmados numa<br />

linguagem coloquial e que contém qualquer coisa de<br />

oracular, tingindo a palavra poética com as forças atávicas<br />

de dizeres ressoando afi rmações que muito o aproximam<br />

de uma vidência.<br />

Na última sessão do livro, “Circulares” - temos a junção,<br />

a síntese de Sagrações ao meio, na medida em que as duas<br />

formas fi xas manuseadas com elegância pelo autor, ao<br />

longo da obra, agora retornam numa única página, ou<br />

seja, a quintilha na parte superior e o terceto na parte<br />

inferior. Cinco e três: números cabalísticos. Os cinco<br />

sentidos para usufruir as benesses eróticas do corpo,<br />

expressas nos estádios naturais de toda e qualquer coisa:<br />

que nasce, que cresce, que morre: as cidades armam/<br />

vinganças quase perfeitas/resta o meu vôo.<br />

Numa outra subdivisão do livro, “Vazantes”, avulta, em<br />

contida dicção, um belo uso da linguagem regionalista,<br />

sem, contudo, o poeta fazer desse uso uma espécie de<br />

orgulho por deter uma das variantes lingüísticas do<br />

português falado no Nordeste. É como se fosse assim uma<br />

coisa tão natural que o leitor nem se dá conta. Porém, ao<br />

se servir de um vocabulário inerente a uma região desde<br />

sempre representada no discurso ofi cial como algo a ser<br />

sempre, conscientemente ou não, depreciado, mesmo<br />

que seja apenas para aparecer diante do outro, num<br />

puro movimento de insegurança - ou seja, a tão batida<br />

história de perpetrar o contraste para escamotear o velho<br />

sentimento de inferioridade, tão inerente à sociedade<br />

brasileira. Sim, mas de tudo isso resta o benfazejo serviço<br />

de decantar tal linguagem, obrigando os dicionários<br />

a codifi car, nos seus verbetes, usos de um costume<br />

emanado de uma diferença. Todo mundo sabe o que<br />

Graciliano Ramos, ao fazer uso de palavras restritas a uma<br />

região, prestou ao vernáculo, enquanto sistema aberto,<br />

enriquecendo a língua ao manuseá-la na literatura, lugar<br />

já estabelecido como sendo o objeto de estudo de fi lólogos<br />

e interessados na linguagem.<br />

Enfi m, o tratamento literário dado pelo poeta Leontino<br />

Filho à temática do amor no livro Sagrações ao meio pode<br />

ser assim iconifi cado: despojamento lingüístico e profecia,<br />

a serviço de uma erótica refi nada, bem de acordo com<br />

a maneira de vivenciar os relacionamentos interpessoais<br />

mais íntimos consoante as usanças nos últimos tempos.<br />

Julho 2004<br />

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