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Segredos da comedia stand-up - Leo Lins marcado

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ou seja, se podemos alongá-la ou encurtá-la. Veja o set a seguir:

Outro dia eu estava vendo o Discovery Channel, era um programa sobre tubarão. Aliás, 90% da

programação lá é tubarão... Era um programa sobre ataques de tubarão e tinha algumas vítimas

dando dicas pra sobreviver. Tinha um cara sem braço falando: [faz uma voz idiota de dublagem]

‘Éhhh ehh... Se um tubarão vier te atacar... é só dar um soco no nariz dele!’... Foi assim que você

perdeu o braço. Só dar um soco no nariz? É um tubarão, não é o Bozo. Eles tinham que falar coisas

que dá pra você fazer, tipo: ‘Se um tubarão vier te atacar, fecha o cu e sai nadando’... Olha, acho

que isso eu consigo fazer.

Teve um que era sobre ataques de urso, aí o cara falou: [faz a mesma voz idiota de dublagem] ‘Ehh

ehhh...’. É sempre o mesmo cara, né?! Todos os animais o atacam... cegonha o bica, esquilo vem

morder... O problema não é com os bichos, é com ele... O cara desperta a ira da floresta, as

árvores andam pra bater nele... (Léo Lins)

As piadas do segundo parágrafo vieram todas de improviso. Originalmente a piada simplesmente

seguia para o tópico “ataques de urso”. Até que um dia, percebi que a plateia ria do fato da voz da

dublagem ser sempre a mesma. Nesse momento uma sinapse em meus neurônios me fez interromper o

andamento normal da piada para falar: “É sempre o mesmo cara, né?!”. E dessa forma consegui mais um

punch line para a piada. Meu guia, o ouvido, me deu sinal para seguir em frente, pois a plateia

continuava rindo. Foi assim que vieram as demais frases: “Todos os animais o atacam...”. Então fiz a

cena dos animais atacando, primeiro imaginei alguma coisa bicando, pois visualmente ficaria engraçado,

depois me veio a imagem de um animal dócil, como um esquilinho, também irritado com o tal cara. Por

último, fiz algo imóvel, como uma árvore, se mover para bater no cidadão.

Em shows com público grande e em que você tem um bom volume de risadas dá pra explorar bem as técnicas de estender uma piada:

“ilustrar a piada” ou “comentário adicional”. Entretanto, em plateias pequenas e espalhadas, isso não costuma funcionar. Mas basta

você desenvolver o ouvido. Quando perceber que determinada piada ou comentário entrou bem, explore isso.

(8/2/2009)

Graças a dar ouvidos ao meu ouvido, encontrei uma mina de punch lines escondida entre duas piadas.

Entretanto, não é sempre que posso explorar toda a mina. Há apresentações em que a plateia está mais

fria, mais apática, ou que simplesmente a piada não arranca a mesma reação. Às vezes, após o primeiro

punch dessa sequência “É sempre o mesmo cara, né?!”, as risadas do público cessam rapidamente.

Então, aborto todas as demais piadas da série. Há casos nos quais consigo ir até o “O problema não é

com os bichos, é com ele”, mas não posso colocar em cena o ataque da árvore. Preciso ficar com o

ouvido atento à reação da plateia, para saber até onde é possível ir. É como se a união do riso com a

piada formasse os acordes responsáveis pela melodia do espetáculo.

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