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Segredos da comedia stand-up - Leo Lins marcado

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punch line não existe e, consequentemente, a piada também não. O punch line “mijar um cocô” é muito

bom, simples, rápido e provoca uma imagem engraçada na mente de quem a ouve. Mas também não

adianta um bom punch line sem um bom setup.

Muitas vezes, até afinar uma piada, passamos perto do formato ideal. Algumas pessoas param no meio

do caminho e decidem entregar para a plateia o produto não finalizado. O que acontece? O público não ri

e o humorista joga fora o que poderia se tornar uma boa piada, por achar que ela não funciona. Imagine a

piada de Nany People nas seguintes formulações:

• Protótipo de piada 1: Homem acha a mulher fresca, queria ver se o homem mijasse um cocô.

• Protótipo de piada 2: Dor não é fácil, queria ver um homem mijar um cocô.

• Protótipo de piada 3: Tenho três filhos, isso não é fácil, meu marido nunca mijou um cocô.

Na primeira formulação não fica claro qual é a comparação. A piada apenas ganha força quando se

torna evidente que estamos dizendo que um bebê sair pela vagina da mulher é o mesmo que um cocô sair

pela uretra do homem. Falar que o homem considera a mulher fresca não nos faz pensar na dor do parto.

Na segunda formulação há o mesmo problema, a frase “dor não é fácil” é muito genérica. Estamos

falando de dor de cabeça? Cólicas estomacais? Dores musculares? Dores psicológicas? E a terceira

tentativa de piada também não estabelece a comparação de forma clara. Se você ouve alguém falar

“tenho três filhos, isso não é fácil”, é possível pensar diversas coisas. O público não vai necessariamente

ligar essa informação com o parto, mesmo que para ter os três filhos foi preciso dar à luz três vezes.

Da mesma forma, não adianta um bom setup com um punch line desajustado.

• Protótipo de piada 1: Dor do parto não é fácil e mijar cocô também não.

• Protótipo de piada 2: Dor do parto não é fácil, o homem pra sentir isso precisaria dar à luz um cocô.

• Protótipo de piada 3: Dor do parto não é fácil, seria o mesmo que um cocô ser urinado por um

homem.

• Protótipo de piada 4: Dor do parto não é fácil, seria o mesmo que o homem mijar o cocô.

O primeiro protótipo estabelece uma comparação, mas da maneira que a frase foi formulada não se

transmite a ideia de que, para o homem saber o que é a dor do parto, ele precisaria urinar um cocô. Ela

apenas diz que a dor do parto seria tão ruim quanto urinar um cocô. Podemos estabelecer várias

comparações como essa:

• Dor do parto não é fácil, escalar o Everest também não.

• Dor do parto não é fácil, andar com caranguejo no bolso também não.

• Dor do parto não é fácil, tossir um tatu-bola também não.

O segundo protótipo não possui um punch line claro, a expressão “dar à luz” causa um efeito que

chamamos de “levar para outro lugar”. Quando falamos “mijar um cocô”, a imagem provocada pelas

palavras é forte e clara. Ao dizer “dar à luz um cocô”, a imagem não é tão clara, alguns podem imaginar

um homem de pernas abertas e o médico retirando um cocô; outros podem visualizar um homem com a

barriga cortada e o médico pegando um cocô. O que torna a piada engraçada é o cocô sair pela uretra; a

palavra “mijar” nos leva a isso, mas a expressão “dar à luz” leva para outro lugar.

O terceiro protótipo estabelece a comparação desejada, mas a frase está mal-formulada. A piada deve

sempre terminar na palavra-chave. Na piada original, as últimas palavras são “mijar um cocô”. Nesse

modelo, as últimas palavras são “urinado por um homem”. Ao inverter e colocar o cocô antes, a piada

não funciona. Quando a palavra-chave está no meio, ela gera um microssegundo de estranhamento na

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