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animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF

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O tema da superação da morte é recorrente em vários trabalhos sobre os Guarani;<br />

<strong>que</strong> se ressalte sua importância não é a <strong>que</strong>stão <strong>que</strong> será tratada aqui, mas como referi<br />

anteriormente a relação <strong>que</strong> não se deve estabelecer entre os vivos e os mortos.<br />

O limite entre a vida e a morte não se encerra num processo biológico. Morrer é<br />

tornar-se outro, e o morto, principalmente recente, é perigoso. As pessoas diziam <strong>que</strong> se<br />

devia guardar três dias para então sepultar uma pessoa, tempo suficiente para <strong>que</strong> o xamã<br />

negocie com os pais das almas, Nhee ru ete, a volta da<strong>que</strong>le <strong>que</strong> repousa no ataúde.<br />

No Paraná, Jango disse-me <strong>que</strong> já havia morrido uma vez; sua fala soou meio<br />

desconcertante para mim. E Jango contou-me a seguinte história:<br />

Eu era novo, tinha cerca de quatorze ou quinze anos. Fi<strong>que</strong>i <strong>muito</strong> doente e estava bem<br />

magro, só pele e osso. Eu estava desacordado e minha alma saiu caminhando por aí.<br />

Caminhei até encontrar uma árvore <strong>que</strong> tinha um cipó bem fino e <strong>muito</strong> alto. Subi por<br />

ele e a medida <strong>que</strong> subia, para baixo ficava tudo escuro. Cheguei então a um local<br />

florido e iluminado, para baixo só via escuridão. A certa distância avistei uma casa,<br />

tipo igreja. Segui até ela e quando lá cheguei um homem velho me perguntou o <strong>que</strong> eu<br />

fazia ali. Disse <strong>que</strong> subi pelo cipó e lá cheguei. Porém o homem disse para eu voltar,<br />

pois não era a minha hora. Eu disse <strong>que</strong> não <strong>que</strong>ria voltar pois lá era <strong>muito</strong> bonito e de<br />

onde vinha havia <strong>muito</strong> sofrimento. O homem insistiu para <strong>que</strong> eu voltasse e a<br />

contragosto eu voltei. Quando acordei, meus parentes estavam todos em volta,<br />

chorando.<br />

Se passados três dias a alma não retornou, e a pessoa permanece imóvel, deve-se<br />

enterrá-la. No entanto, não se é um morto completo ainda. E aqui, a chuva, <strong>que</strong> para mim<br />

enfeitava com sua tristeza o cenário fúnebre, tem sua função na escatologia Mbya.<br />

Segundo explicação de Mariano, a primeira chuva <strong>que</strong> se dá durante ou após o<br />

sepultamento apaga os rastros do morto, “todos os rastros, tudo <strong>que</strong> o morto fez, onde ele<br />

pisou, vai apagar tudo: aí ele não é <strong>mais</strong> um vivo!” De agora em diante tornou-se um<br />

omanongue.<br />

Qual<strong>que</strong>r relação entre vivos e mortos doravante será negada; não se lamenta <strong>mais</strong><br />

a morte da<strong>que</strong>la pessoa e todos os seus pertences <strong>que</strong> não puderam ser enterrados serão<br />

<strong>que</strong>imados; sua antiga casa, abandonada e em seguida destruída. Os cemitérios (yvy kua<br />

renda ou yvyrã rupa) são construídos <strong>muito</strong> distantes dos núcleos habitacionais, não<br />

convém fre<strong>que</strong>ntá-los, senão para atender algum desejo do morto <strong>que</strong> durante à noite<br />

perturba o sono dos vivos. É comum encontrarmos nos cemitérios garrafas com água sobre<br />

as covas; dizem os Mbya <strong>que</strong> a morte é sedenta (Cherobim, 1986; Oliveira, 2002). Nas<br />

sepulturas de crianças, encontram-se mamadeiras e às vezes brin<strong>que</strong>dos. Mariano me<br />

contou de um sonho constante <strong>que</strong> tinha com o seu enteado, sobrinho de sua esposa. Nesse<br />

sonho, a criança pedia-lhe <strong>algo</strong> para se es<strong>que</strong>ntar. Segundo Mariano, <strong>que</strong>m pede é o ãgue,<br />

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