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animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF

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O significado de não desperdiçar parece ultrapassar e <strong>muito</strong> a redução do animal<br />

abatido à comida. A etnografia amazônica é rica em exemplos do <strong>que</strong> se busca através do<br />

consumo de carne ou do uso de certas partes não consumíveis dos <strong>ani<strong>mais</strong></strong>, a aquisição ou<br />

rejeição de certas qualidades. Ao percorrer parte dessa literatura, Rogalski (2003) examina<br />

quais são e como elas são transmitidas aos ou evitadas pelos humanos. Para tanto<br />

identificou quatro tipos de veículos de transmissão: a carne, os despojos (garras, ossos,<br />

vísceras, pele, patas e etc.), as plantas e a fala. Deter-me-ei em dois desses veículos: os<br />

despojos e a carne.<br />

Schaden observou entre os Kayova e os Nhandeva, no Mato Grosso do Sul, <strong>que</strong><br />

desde os primeiros dias de vida aplicava-se sobre as mãos das meninas a pata dianteira de<br />

uma cotia morta na caça; tal procedimento visava <strong>que</strong> a criança aprendesse bem a colher<br />

batata-doce, cará e outros produtos da roça. Relembro <strong>que</strong> a atividade de colheita é<br />

destinada às mulheres. O autor aponta ainda uma outra prática a <strong>que</strong> se submetem os<br />

adultos Nhandeva: “mata-se um gaturano (guyratã nheỹ), ave <strong>que</strong> arremeda o grito das<br />

de<strong>mais</strong>, tritura-se o corpo e mistura-se com pó de fumo, <strong>que</strong> se mastiga, para com maior<br />

facilidade aprender a língua dos brancos”. (Schaden, 1962: 70)<br />

Quanto aos Mbya, triturar e comer os ossos de uma espécie de esquilo (não<br />

identificado) ao qual chamam de tuguaipe propicia o fortalecimento das pernas, por ser<br />

este um animal saltador. Da mesma forma, comer seus olhos faz com <strong>que</strong> a pessoa<br />

desenvolva a acuidade visual.<br />

No <strong>que</strong> se refere à fala recomenda-se, e por diversas vezes observei, <strong>que</strong> se deve<br />

deixar um filhote de cachorro lamber a boca de uma criança quando ainda é bem pe<strong>que</strong>na.<br />

O cachorro, reputado um animal <strong>que</strong> “só diz” a verdade (através do latido conta <strong>somente</strong> o<br />

<strong>que</strong> vê), passaria essa qualidade para a pessoa, não deixando <strong>que</strong> ela se torne fofo<strong>que</strong>ira.<br />

Retomo aqui a abordagem proposta por Rogalski, <strong>que</strong> chama a atenção para duas<br />

possibilidades no <strong>que</strong> se refere aos despojos dos <strong>ani<strong>mais</strong></strong>: de um lado o <strong>que</strong> o autor chama<br />

de transmissão metonímica das qualidades do animal; e de outro, o <strong>que</strong> os despojos<br />

transmitiriam aos humanos seriam suas próprias características, como por exemplo a<br />

dureza. “[...] il n‟y a pas de transposition métonymi<strong>que</strong> d‟une qualité de l‟animal vivant à<br />

ses os qui la transmettent, <strong>mais</strong> c‟est l‟os même qui véhicule sa propre qualité, a savoir la<br />

dureté, aux os des humains (idem: 2003: 8). Porém, esta é uma hipótese <strong>que</strong> o autor apenas<br />

enuncia, para em seguida deixá-la de lado, argumentando não poder demonstrá-la. Os<br />

despojos são portanto, veículos das qualidades dos <strong>ani<strong>mais</strong></strong>. A carne, por sua vez, mantém<br />

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