animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF
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Logo, reitero <strong>que</strong> neste trabalho a caça é um meio para a elaboração de uma<br />
etnografia <strong>que</strong> tenha como foco de análise algumas formas alimentares Mbya e seus<br />
possíveis desdobramentos para processos de transformação <strong>que</strong> podem afetar as pessoas,<br />
referidos tanto na literatura (Schaden: [1954] 1962; Clastres, H. 1978 [1975]; Mello 2006,<br />
Pissolato 2007; Silva 2007, Albernaz 2009), quanto pelos próprios Mbya como –jepota.<br />
É sabido <strong>que</strong> entre inúmeras sociedades ameríndias a qualidade de ser gente não é<br />
um atributo inalienável a cada homem ou mulher “Homo sapiens sapiens”. Ela é antes uma<br />
possibilidade comum a diversas classes de seres <strong>que</strong> povoam o universo, variável<br />
conforme a perspectiva de cada uma. Não se trata aqui de hipótese animista; a <strong>que</strong>stão,<br />
esclareço, não é <strong>que</strong> para os povos indígenas todos os seres <strong>que</strong> habitam o universo sejam<br />
gente em extensão, ou compartilhem de uma essência humana. Diversos exemplos<br />
encontrados na etnografia das terras baixas sul-americanas e alhures demonstram <strong>que</strong><br />
desde o nascimento – quando a criança precisa ter seu corpo modelado – as formas<br />
humanas devem ser construídas; veja por exemplo o caso dos Parakanã (Fausto, 2001). Em<br />
diversos períodos de vida essa condição humana pode vir a ser ameaçada, principalmente<br />
na<strong>que</strong>les <strong>que</strong> marcam mudanças de fase de vida, nascimento e morte. Tem-se então <strong>que</strong> a<br />
condição humana é uma condição <strong>que</strong> a qual<strong>que</strong>r momento pode ser usurpada, ou melhor,<br />
deslocada.<br />
Tratados na etnografia guarani como eventos <strong>que</strong> podem suprimir da pessoa a sua<br />
humanidade, o –jepota tem sido abordado a partir de distintas possibilidades. Sedução e<br />
conjunção sexual com seres de outras espécies, principalmente alguns <strong>ani<strong>mais</strong></strong> <strong>que</strong> se<br />
travestiriam em gente, são as causas <strong>mais</strong> fre<strong>que</strong>ntemente apontadas pelos Guarani <strong>que</strong>,<br />
como consequência figura nas diversas etnografias sobre esse povo.<br />
É possível também, dizem os Mbya, <strong>que</strong> essa transformação ocorra após à morte:<br />
<strong>que</strong> a pessoa sepultada, devido a alguns hábitos <strong>que</strong> tenha adquirido em vida, venha a<br />
sofrer esse tipo de metempsicose, o <strong>que</strong> suscita entre os vivos certos cuidados em relação<br />
aos cemitérios e observâncias para com pessoas recém enterradas. No entanto não é<br />
possível afirmar <strong>que</strong> os Guarani tenham um pendor especial para cuidar de seus cemitérios,<br />
<strong>muito</strong> pelo contrário, esses se localizam <strong>muito</strong> distantes dos núcleos habitacionais e quase<br />
nunca são fre<strong>que</strong>ntados.<br />
Uma terceira possibilidade de ocorrência desse fenômeno está ligada à dieta<br />
alimentar, principalmente no <strong>que</strong> se refere à carne, seja ela de caça ou comprada nos<br />
mercados das cidades. É imprescindível <strong>que</strong> seja bem cozida (mimõi) ou bem assada<br />
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