animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF
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entanto gostaria de salientar <strong>que</strong> este trabalho não é uma etnografia sobre caça, por um<br />
lado meu material é insuficiente para tal empreitada e por outro, os Mbya não seriam<br />
melhores definidos como um povo caçador. De toda forma, <strong>muito</strong> <strong>mais</strong> <strong>que</strong> uma escolha<br />
pessoal, a caça impôs-se a mim, durante o trabalho de campo como um lugar de onde eu<br />
poderia discutir com as pessoas algumas idéias a cerca da socialidade Mbya.<br />
Ainda assim ressalto <strong>que</strong> o tratamento etnográfico <strong>que</strong> a temática da caça tem<br />
recebido na etnografia guarani é marcado por um descompasso quando comparado a outras<br />
etnografias das terras baixas sul-americanas. É possível <strong>que</strong> se justifi<strong>que</strong> esse fato<br />
argumentando em torno do pouco investimento realizado pelos Guarani na prática<br />
venatória quando comparados aos de<strong>mais</strong> povos. No entanto essa justificativa apenas<br />
oculta ou esquiva-se do problema.<br />
Há pelo menos dois dispositivos, na antropologia, para se tratar o significado da<br />
caça nas terras baixas sulamericanas e alhures. O primeiro, desde Julien Steward e <strong>mais</strong><br />
recentemente Philippe Descola, relaciona prática venatória e dependência ecológica. O<br />
segundo, propõe <strong>que</strong> a caça ultrapassa em <strong>muito</strong> os limites das atividades de subsistência.<br />
Se tomássemos a caça apenas sob o aspecto da dependência ecológica, como poderíamos<br />
compreender <strong>que</strong> apesar de escassa, dela emerge um significado simbólico altamente<br />
elaborado? Viveiros de Castro ao discutir duas características associadas ao perspectivismo<br />
ameríndio: o xamanismo e a caça, faz notar <strong>que</strong> no <strong>que</strong> refere-se a segunda deve-se<br />
sublinhar<br />
“Que se trata de uma ressonância simbólica, não de uma dependência ecológica:<br />
horticultores aplicados como os Tukano ou os Juruna – <strong>que</strong> além disso são pescadores<br />
– não diferem <strong>muito</strong> dos grandes caçadores do Canadá e Alasca, quanto ao peso<br />
cosmológico conferido à predação animal (venatória ou haliêutica), à subjetivação<br />
espiritual dos <strong>ani<strong>mais</strong></strong>, e à teoria de <strong>que</strong> o universo é povoado de intencionalidades<br />
extra-humanas dotadas de perspectivas próprias” (2002: 357).<br />
Essa ressonância simbólica de <strong>que</strong> trata o autor é um instrumento fundamental para<br />
analisar algumas implicações <strong>que</strong> se depreendem da relação com o animal, e outras<br />
agências, entre inúmeros povos indígenas e, não menos entre os Mbya. Se, como apontei<br />
<strong>mais</strong> acima, enquanto atividade cotidiana a caça não ocupa grande parte da vida das<br />
pessoas, por outro lado isso não implica um abandono de um saber sobre o mundo dos<br />
bichos, <strong>que</strong> diretamente corresponde a um saber sobre o próprio mundo mbya. É possível,<br />
parafraseando Lévi-Strauss ([1962] 2004), dizer <strong>que</strong> antes de atender às exigências de<br />
ordem prática a caça corresponde a exigências intelectuais.<br />
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