animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF
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jaguar da pessoa atingida: sua regressão à animalidade. Duas condutas são proscritas para<br />
evitar esse mal: a primeira é não comer carne crua; a segunda, não cozinhar e nem comer<br />
carne na floresta; a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> o faz atrai o tupichua e se deixa enganar por ele, <strong>que</strong>,<br />
tomando a aparência de uma bela mulher, lhe faz perder a razão. Propõe então <strong>que</strong><br />
copulem, após o <strong>que</strong> sua pele começa a se cobrir de manchas, põe-se a unhar a terra e<br />
rosnar, o mesmo ocorrendo com sua vítima. Quando a vítima se encontra num estado<br />
irreversível, em <strong>que</strong> ela não consegue se manter de pé, é sinal de <strong>que</strong> sua alma já<br />
abandonou e nada <strong>mais</strong> resta fazer, senão matá-la.<br />
Por sua vez a autora não relaciona o risco do –jepota / tupichua, a outras fases da<br />
vida, tal como o fez Schaden, mas destaca <strong>que</strong> agir como um eleito, evitar comportar-se de<br />
maneira múltipla é a única forma de se chegar à perfeição, de evitar o risco do tupichua e<br />
da regressão à animalidade. Transformar-se em jaguar é a sorte <strong>que</strong> cruza o caminho do<br />
caçador infeliz <strong>que</strong> não soube se conduzir como humano num universo múltiplo.<br />
Recentemente outros autores retomaram o tema do –jepota, porém há <strong>que</strong> registrar<br />
<strong>que</strong> não são <strong>que</strong>stões <strong>que</strong> aparecem em primeiro plano. E muitas vezes retomam o mesmo<br />
problema levantado tanto por Schaden quanto por Clastres.<br />
Entre os trabalhos de Mello (2006) e Silva (2007) há uma afinidade no tratamento<br />
da <strong>que</strong>stão da produção do parentesco. Ambos sugerem <strong>que</strong> tanto na região do litoral<br />
catarinense quanto na da tríplice fronteira os Mbya e Nhandeva / Chiripá partilham de<br />
noções comuns a alguns grupos amazônicos, como a de consubstancialização pelo<br />
compartilhamento alimentar. Para esses autores o <strong>que</strong> se passa entre os humanos deve ser<br />
estendido a outras espécies de seres, tais como os <strong>ani<strong>mais</strong></strong>. E o risco a <strong>que</strong> está exposta<br />
uma pessoa é de ser subjetivada por outras agências ontológicas <strong>que</strong> desejam tomá-la como<br />
afim.<br />
Retomando o pressuposto de Clastres, Mello (2006: 163) afirma <strong>que</strong> “a<br />
humanidade é um estado instável e provisório para um Guarani.” A autora sugere <strong>que</strong> –<br />
Jepota e aguyje são pólos opostos de uma mesma potencialidade: a transformação<br />
desencadeada em primeiro lugar pela conjunção sexual, modelo clássico; em segundo, pelo<br />
risco de ingestão de certas substâncias, principalmente o sangue, e a terceira via de acesso<br />
é a linguagem, seja através da fala, da audição ou da visão, desperto ou durante o sono.<br />
Silva (2007: 177) reafirma a transcendência do parentesco Mbya para além das<br />
relações internas às aldeias; paralelamente, o –jepota é descrito como um “processo<br />
claramente associado à perda dos laços de parentesco humano e estabelecimento do<br />
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