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animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF

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deitam a madeira ao chão e aguardam o passar de alguns dias para <strong>que</strong> se<strong>que</strong> e possa ser<br />

cortada e carregada. A segunda fase é a remoção da madeira <strong>que</strong> será aproveitada como<br />

lenha, a retirada de restos de galhos e pe<strong>que</strong>nas árvores <strong>que</strong> restaram; e a <strong>que</strong>ima do<br />

restante da área, processo <strong>que</strong> algumas pessoas chamavam de “coivarar”. Nesta fase<br />

utilizam principalmente a foice para a realização dos trabalhos. É ainda uma fase de<br />

trabalhos masculinos. A terceira fase, a ser realizada com enxadas, é a limpeza definitiva<br />

do terreno e o plantio, e pode envolver o trabalho de mulheres, entre elas a esposa, as filhas<br />

e as noras do “dono da roça”. Durante o período de produção da roça caberá ao dono o<br />

cuidado e a limpeza destes locais. Uma vez formada, nos anos seguintes os trabalhos<br />

envolverão, no <strong>mais</strong> das vezes, os seus donos, <strong>que</strong> ocasionalmente serão auxiliados por<br />

filhos e genros.<br />

O uso da expressão “dono da roça” me parece prestar <strong>muito</strong> bem neste contexto,<br />

pois a relação <strong>que</strong> se constrói entre o dono (-ja) e a coisa possuída exprime de diversas<br />

formas outro tipo de relação <strong>que</strong> será analisada <strong>mais</strong> pormenorizadamente um pouco <strong>mais</strong><br />

à frente.<br />

A referência ao fragmento de um mito a seguir ajudará ilustrar, através da<br />

cosmologia, relações observáveis no plano sociológico. Mais acima, disse <strong>que</strong> diferente da<br />

caça, a roça conjuga atividades masculinas e femininas. O fragmento a <strong>que</strong> me refiro tem<br />

como tema forte a partida de Nhanderuvuçu após sua mulher dizer-lhe <strong>que</strong> o filho <strong>que</strong><br />

trazia no ventre era de Mbaecuaá. Mas é o segundo motivo <strong>que</strong> <strong>mais</strong> me interessa aqui,<br />

pois ele sugere uma divisão dos papéis masculinos e femininos no trabalho da roça.<br />

“E Nhanderuvuçu fez roça. Enquanto ele ia e a fazia, realizava-se atrás dele a época do<br />

milho (verde). E ele veio para casa comer. E (ele disse) à sua mulher: „vá na nossa roça,<br />

traga milho verde <strong>que</strong> iremos comer.‟ E a mulher de Nhanderuvuçu disse a seu marido:<br />

„agora mesmo estavas fazendo a roça e já me dizes: „vá traga milho!‟ Não tenho o teu<br />

filho no ventre, tenho o filho de Mbaecuaá.‟ E a mulher de Nhaderuvuçu pegou o cesto<br />

de carregar e foi na roça.” (Nimuendaju: [1914] 1987: 143)<br />

É claro <strong>que</strong> o gesto das pessoas não replicam a<strong>que</strong>le dos personagens míticos, mas<br />

é possível <strong>que</strong> estes sirvam de parâmetros para os primeiros. Se como apontado <strong>mais</strong> acima<br />

as duas primeiras fases de início de uma roça são competências de um homem e a terceira<br />

conjuga esforços masculinos e femininos, a colheita, por sua vez, é idealmente uma fase<br />

feminina. Na roça plantada por Lourenço Karai Vare várias mulheres reuniam-se para<br />

colher batata-doce. Em outra ocasião, enquanto Jango e eu limpávamos um descampado<br />

próximo à sua casa, de onde ainda era possível arrancar grande quantidade de batatas-<br />

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