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animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF

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por<strong>que</strong> os guarani atualmente passem fome, mas justamente pelo contrário, justamente por<br />

eles não passarem fome.<br />

Essa frase remete, suponho, não a uma situação de fato, mas antes ao valor<br />

conferido ao <strong>que</strong> se come e, enquanto tal, diferenciador de espécies. “Eu sou wari’, como<br />

gongos; você é wijam (“inimigo”), não come” diziam fre<strong>que</strong>ntemente as mulheres wari‟ a<br />

Vilaça (Vilaça, 1992: 53). Inimigo sofre um deslizamento semântico aqui. Os Mbya diziam<br />

ipota para qual<strong>que</strong>r tipo de comida, porém no seguinte sentido, a banana para o gambá, a<br />

batata para a cotia, arroz para jurua e milho para mbya. “Aju ara’a mbyku pota rã”. Eu<br />

vim buscar comida para levar para mbyku, disse certa vez Lourenço ao chegar à casa de<br />

Jango. A forma genérica de se referir à comida não é ipota, mas tembi’u, ambas expressões<br />

flexionadas com os respectivos pronomes possessivos de 3ª pessoa do singular. Assim<br />

nhanderembi’u – nossa comida – é diferente da comida do branco, juru’arembi’u; da<br />

comida da onça, xivirembi’u, etc.<br />

Dentre os inúmeros significados <strong>que</strong> se depreende de ipota um deles é <strong>que</strong>rer,<br />

desejar. O emprego dessa expressão por Lourenço e a explicação dada a mim pelas<br />

pessoas, além de uma metáfora da caça – eu vim buscar o <strong>que</strong> o gambá vai comer (-rã<br />

indica <strong>algo</strong> <strong>que</strong> se espera acontecer; um homem pode dizer a respeito de uma mulher com<br />

<strong>que</strong>m espera se casar: xerayxirã) – aponta para esse valor da comida enquanto<br />

diferenciador, <strong>que</strong> equivale a dizer “eu vim buscar comida de gambá.” Comer é <strong>mais</strong> <strong>que</strong><br />

um ato de satisfação fisiológica, é uma forma de se diferenciar de outrem, de constituir<br />

corpos. É por isso <strong>que</strong> se a comensalidade coloca um problema a inúmeros povos<br />

ameríndios; com os Mbya não seria diferente, pois quando as pessoas passam a consumir<br />

alimentos de outras espécies de seres, sejam eles brancos, ou <strong>ani<strong>mais</strong></strong>, o <strong>que</strong> se torna<br />

evidente é o risco de se adquirir hábitos dessas espécies. No limite, tais hábitos conduzem<br />

a processos de afinização com tais seres, seja a onça, sejam os brancos. Em outros casos,<br />

os habitos alimentares se conjugam com a não superação da condição de mortal, basta<br />

voltarmos aos inúmeros exemplos da literatura etnográfica sobre os Guarani <strong>que</strong> colocam o<br />

problema da impossibilidade de alcançar à condição de plenitude (aguyje) devido ao fato<br />

de ter-se adquirido um corpo pesado e impuro, dentre inúmeras razões destaca-se o<br />

consumo de uma dieta alimentar imprópria.<br />

A importância do milho como alimento primevo foi destacada por Nimuendaju (cf<br />

citação à p. 47); Schaden (1962) propôs para os Guarani, uma religião do milho, e além de<br />

outros autores, Ladeira fez notar <strong>que</strong> (1992: 181), “[p]ara nós [guarani] o alimento é milho,<br />

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