animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF
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Não é possível reduzir os deslocamentos dos Guarani atuais a um único modelo; a<br />
sua complexidade exige uma análise <strong>muito</strong> acurada e mesmo nos dias atuais podemos<br />
encontrar aldeias inteiras sendo abandonadas; da mesma forma observarmos outras aldeias<br />
se constituindo alhures; motivações, as <strong>mais</strong> diversas. Esses deslocamentos das pessoas<br />
não obedecem a um único sentido: elas tanto partem do interior para o litoral quanto o<br />
contrário também é verdadeiro, ainda há <strong>muito</strong> de um desejo de se encontrar uma terra boa<br />
para viver. É possível, no entanto <strong>que</strong> estes movimentos tenham uma tendência a obedecer<br />
a certas rotas. Vê-se por exemplo no caso de Araponga, <strong>que</strong> mantém um contato <strong>mais</strong><br />
intenso com os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. As pessoas de Parati-Mirim<br />
por sua vez percorrem o oeste e sudoeste do Paraná. O mesmo se dá em relação ao fluxo<br />
<strong>que</strong> essas aldeias estabelecem com diferentes aldeias no estado de São Paulo.<br />
Os discursos dos caci<strong>que</strong>s de Araponga e Parati-Mirim dão ênfase a dois momentos<br />
de convivência: o primeiro é entre outros, em <strong>que</strong> pesam serem tolerados nas “terras dos<br />
índios”, <strong>muito</strong> evidente na fala de Augustinho e em menor grau na de Miguel; o segundo<br />
momento é o entre si numa terra guarani, onde apesar de imperfeita se pode viver o<br />
nhandereko, o modo de vida guarani. Não é sem razão <strong>que</strong> Miguel começa sua fala<br />
evocando seu sofrimento quando jovem; o mesmo é válido para Augustinho “eu me criei<br />
na terras dos índios. Ah, eu morei já nos Kaingang, vários, no Xoklen. Ixi, eu sofri <strong>muito</strong><br />
já, nós sofremos <strong>muito</strong> com os índios." Sua fala deixa entender <strong>que</strong> morar com os índios<br />
não foi uma experiência boa, cabe aqui então uma <strong>que</strong>stão, e morar com Guarani é bom?<br />
A resposta a essa pergunta, a princípio parece obvia, todavia ela assume várias<br />
matizes. Desenvolverei nos capítulos seguintes esse ponto, mas também remeto o leitor<br />
<strong>mais</strong> interessado ao trabalho de Pissolato (2007), em <strong>que</strong> a autora discute formas locais e<br />
supra-locais de vivência do parentesco, regidas por uma ética da consanguinidade: modelo<br />
cosmológico, <strong>que</strong> operacionaliza a relação entre afins: modelo sociológico.<br />
Se observarmos as duas aldeias do sul fluminense abordadas neste trabalho, elas<br />
podem ser descritas como um conjunto de famílias associadas a um chefe de família<br />
extensa por laços de consanguinidade e afinidade. Pissolato bem definiu: “as localidades<br />
guaranis podem e são normalmente descritas como grupos de parentesco sob a liderança de<br />
um homem ou casal <strong>mais</strong> velho <strong>que</strong> os encabeça” (idem: 75).<br />
Gostaria de finalizar esse ponto com uma impressão <strong>que</strong> ficou <strong>muito</strong> forte em mim.<br />
No <strong>que</strong> se refere às mesmas aldeias, elas seriam pontos de convergência da trajetória de<br />
homens <strong>que</strong> após <strong>muito</strong> caminharem acumularam experiência e prestígio para reunirem um<br />
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