animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF
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hipótese alguma os vivos almejam qual<strong>que</strong>r espécie de relação com os mortos. Em sonho,<br />
os mortos oferecem comida, conversam, ou propõem ao seu possível interlocutor <strong>que</strong><br />
tenham relações sexuais. Aceitá-las é se submeter ao ponto de vista dos mortos, o <strong>que</strong> no<br />
limite poderá causar a morte.<br />
Diferentemente de Nimuendaju ([1914], 1987), <strong>que</strong> observou o recebimento de<br />
canto dos mortos, entre os Apapokuva; e de Silva (2007: 108) <strong>que</strong> aponta entre os Mbya e<br />
Nhandeva na região da tríplice fronteira, <strong>que</strong> “[a] morte não atesta o fim da comunicação<br />
entre vivos e mortos, pois a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> viveram sem mal sobre a terra orientariam os vivos<br />
por meio dos sonhos nos bons caminhos”; meus dados permitem-me enfatizar <strong>que</strong> entre os<br />
Mbya qual<strong>que</strong>r comunicação com mortos é imprópria. Conforme observou Pissolato,<br />
(2007: 398) “a cosmologia mbya não vislumbra um destino a ser cumprido após a morte.<br />
Almeja sim um modo de vida divinamente orientado na Terra.”<br />
O risco de transformação humano-animal, conhecido como –jepota, foi o último<br />
ponto abordado neste trabalho. Não menos <strong>que</strong> os dois anteriores, ele emcampa os mesmos<br />
riscos de confrontamento de perspectivas; não ceder à sedução do animal <strong>que</strong> se apresenta<br />
como gente, não comer conforme um código alimentar não-humano, não partir para a caça<br />
após o nascimento de um filho. Pelo menos três maneiras de se evitar deixar-se encantar<br />
pelo animal, tomar seu mundo como realidade dotada de sentido e aos poucos partir<br />
definitivamente com seu novo / a cônjuge; o <strong>que</strong> da perspectiva Mbya corresponde à morte<br />
do corpo físico.<br />
É possível <strong>que</strong> esse risco de ser seduzido seja desencadeado por várias espécies<br />
<strong>ani<strong>mais</strong></strong>. No entanto à exceção de um, <strong>que</strong> tratarei um pouco <strong>mais</strong> adiante, o <strong>que</strong> se observa<br />
é <strong>que</strong> essa potencialidade é desencadeada antes por uma espécie de ser <strong>que</strong> desempenha<br />
um papel de representante da espécie, maior inclusive <strong>que</strong> todos os membros juntos; assim<br />
aparece Pirajary, a sereia da história citada no final do segundo capítulo; da mesma forma<br />
o peixe enorme <strong>que</strong> aparece ao narrador de Pissolato, (veja nota 40).<br />
O lugar conferido à onça (xivi, jaguarete, ipope’i va’e) na cosmologia Mbya não<br />
deixa dúvida quanto à sua importância. Das espécies <strong>ani<strong>mais</strong></strong>, é a única <strong>que</strong> a princípio não<br />
possui um dono, pois como afirmou seu Miguel, “a onça é o caci<strong>que</strong> das caças, é ela <strong>que</strong>m<br />
manda em tudo.” Tal afirmação, associada ao seu papel no mito de criação, em <strong>que</strong> uma<br />
onça velha auxiliada por seus sobrinhos mata e devora a mãe de Kuaray para em seguida<br />
criá-lo como neto, conferem-lhe um lugar privilegiado. Porém, antes de prosseguir gostaria<br />
de fazer uma breve excursão a um fragmento da etnografia Jodï, povo caçador falante de<br />
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