animais são muito mais que algo somente - Proppi - UFF
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percebido como parte do ambiente. Estratégias essas usadas para mascarar a intenção dupla<br />
do caçador. Neste sentido sugere <strong>que</strong> “a intencionalidade na caça pode ser compreendida<br />
como um modo de agir guiado por uma dupla intenção, a<strong>que</strong>la de „não estar em vias de<br />
não caçar‟”. (tradução minha; itálico no original).<br />
Alguns pontos devem ser observados. Diferente dos Mbya, a caça, entre os Iñupiaq<br />
não é feita com armadilhas. Utilizam principalmente espingardas de calibre 17, segundo o<br />
autor. Outro ponto <strong>que</strong> merece desta<strong>que</strong> é <strong>que</strong> as caçadas são coletivas e organizadas entre<br />
famílias <strong>que</strong> se deslocam em grupos para certas regiões de caça. Por fim, a caça às focas na<br />
primavera é a principal fonte de subsistência deste povo durante o inverno.<br />
A aproximação <strong>que</strong> julgo relevante entretanto, refere-se ao comedimento quando se<br />
fala da caça, “talvez tenhamos uma chance”, dirá um caçador iñupiaq; “vou olhar o<br />
roçado”, dirá um caçador mbya. Em ambos os casos evita-se tornar o senhor da caçada.<br />
Mas e qual seria a razão de tal evitamento senão a intencionalidade conferida em ambos os<br />
casos aos caçadores? Mbya e Iñupiaq, não estariam em vias de caçar?<br />
É preciso retomar um ponto a fim de concluir. Por <strong>que</strong>, no caso Mbya, o caçador<br />
omitiria sua intenção de pegar um bicho se ao mesmo tempo ele afirma <strong>que</strong> só o faz por<strong>que</strong><br />
o dono é <strong>que</strong>m lhe permite? Por<strong>que</strong> ocultar uma intenção se a satisfação dessa depende da<br />
oferta de outrem?<br />
Sugiro <strong>que</strong> se trata não de omitir uma intenção, pois ela já foi anunciada em vários<br />
momentos: quando o homem sai discretamente para o mato com um facão à mão e às vezes<br />
uma espingarda, ninguém diz nada, mas todos sabem o <strong>que</strong> ele foi fazer; quando ele diz<br />
<strong>que</strong> em pensamento pede (-jerure) ao dono <strong>que</strong> lhe dê (-me’ë) um bichinho 27 , ele tanto se<br />
assegura de evitar o comportamento soberbo da<strong>que</strong>le <strong>que</strong> pede em demasia quanto<br />
demonstra <strong>que</strong> é capaz de dividir o <strong>que</strong> receber, conforme tendência apontada <strong>mais</strong> acima;<br />
ou quando ao terminar de fazer uma armadilha há de falar dela com modéstia: será <strong>que</strong> vai<br />
cair um rato? Se os Iñupiaq afirmam a consciência das focas, os Mbya não fazem diferente<br />
quanto aos “seus” <strong>ani<strong>mais</strong></strong>, mas há de notar <strong>que</strong> se entre a<strong>que</strong>les se deve ocultar a intenção<br />
em caçar, entre os Mbya ela é antes mediada, entre homens e <strong>ani<strong>mais</strong></strong> pelos “donos” das<br />
espécies.<br />
27 Pissolato observa <strong>que</strong> “[p]lantar, capturar <strong>ani<strong>mais</strong></strong>, assim como o próprio comer deve implicar um grau<br />
moderado de atividade, conforme a ética mbya (2007: 58).<br />
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